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«O Culpado» – Quem não tem cão caça com gato

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As necessidades low cost do cinema dinamarquês (e europeu em geral) abriram espaço a narrativas mais simples, mais intimistas e, até certo ponto, mais inovadoras, na maior parte dos casos na boa acepção da palavra. Estas restrições orçamentais podem ter efeitos benéficos, dão motivos aos vários intervenientes da obra cinematográfica para pensar fora da caixa e obrigam-nos a aperfeiçoar ainda mais o seu trabalho para atingir o efeito desejado.

É o caso de “O Culpado” (de título original “Den skyldige”), primeira obra do sueco Gustav Möller, feita num orçamento limitado, cerca de meio milhão de euros. A narrativa passada em tempo real foca-se em Asger Holm (Jakob Cedergren), um polícia a trabalhar no call center do 112 em Copenhaga que recebe uma chamada suspeita de uma mulher e, no seu local de trabalho, através de telefonemas, procura solucionar um potencial caso de rapto. Não é difícil de deduzir, mesmo numa fase inicial da película, que toda a acção decorrerá dentro das salas onde se trabalha Asger. Não é o primeiro filme a tentar reduzir o espaço filmado a apenas uma localização (com exemplos tão bizarros como um carro, uma cabine telefónica ou até um caixão) e certamente não será o último. A dúvida principal residirá na incerteza quanto aos restantes elementos cinematográficos e no seu efeito compensatório relativamente à inexistência física das personagens com quem Asger comunica por telefone e de elementos visuais que suportem as pistas auditivas que vão sendo lançadas.

Porque o cinema é, além de um meio visual, um meio auditivo (ainda que dizer que é um meio audiovisual não seja suficiente para o definir), é com o som que “O Culpado” se eleva como um todo. É a sua carta mais forte, mas não deixa de ser bem jogada. É extremamente importante que se consigam distinguir claramente as vozes ao telefone e delas retirar toda a informação possível acerca do ambiente em redor. “O Culpado” consegue fazê-lo sublimemente, nota muito positiva nesse aspecto. É também com a ajuda de uma interpretação sólida de Jakob Cedergren, maioritariamente graças a expressões faciais que têm como tarefa de explicitar os sentimentos dos seus interlocutores e que ajudam a manter o suspense da trama, que o filme consegue, com a ausência de imagens, tornar a situação porventura mais intensa do que se tivesse uma eventual e tentadora muleta visual.

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O espaço fechado em que se encontra Asger e que este não deixa durante todo o filme, acentua de uma forma bastante evidente, mas não por isso menos interessante, uma clausura acima de tudo emocional em que este se encontra e cuja situação é aos poucos insinuada ao longo da acção, entre telefonemas à vítima do rapto. Este encontra-se a trabalhar na secção de recepção de chamadas da polícia enquanto aguarda o julgamento de uma malsucedida operação policial. A resolução do caso mãos, mais do que representar aquilo que é certo e justo, representará para o próprio a sua libertação, literal ou espiritual ficará ao critério do espectador.

Não é raro haver a propensão para adicionar alguns elementos narrativos que não enriqueçam a história, com o propósito de adicionar alguns minutos ao tempo de exibição do filme, sobretudo quando se fala em filmes passados num único local/cenário. Não chega a ser propriamente o caso em “O Culpado”, dado que o seu conflito é suficiente para atingir o quase universal limite mínimo de 80 minutos (“O Culpado” tem 85) para longas-metragens. Não se sente que a trama seja forçada ou retardada. Pode considerar-se que um ou dois twists retiram um pouco da linearidade da acção, mas esta consegue dosear tanto as piruetas narrativas como o diálogo puramente expositivo.

Fica alguma dúvida de qual será a causa de não ter tido mais falatório para potencial melhor filme estrangeiro em vários dos prémios de cinema do ano transacto. Pode desculpar-se essa falha, contudo, com o facto de que o ano foi forte em cinema estrangeiro (uma maneira mais eufemística de dizer cinema “não norte-americano”), num ano onde, ainda por cima, houve candidatos que investiram muito mais nas campanhas e não seria correcto deixar os seus gastos e esforços em vão. Talvez com um remake americano (de momento apenas a ser equacionado) o filme ganhe um pouco mais de popularidade.

A criatividade de Möller, realizador e co-argumentista, e a sua compreensão fundamental dos vários elementos que formam uma narrativa, deixam curiosidade relativamente aos seus próximos trabalhos e colocam-no na lista de realizadores europeus a seguir. Möller mostra com “O Culpado” que restrições de meios não têm que ser um obstáculo à qualidade.

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