Por onde começar? Havia qualquer coisa no trailer de “Os Gatos Não tem Vertigens” que prometia que algo de bom estava a chegar. Depois de ver o filme no cinema, percebemos que a essa promessa era apenas a música da fadista Ana Moura. O novo filme de António-Pedro Vasconcelos é tão bom como os seus anteriores filmes, “Call Girl” e “A Bela e o Paparazzo”, ou seja, uma banalidade. O realizador que se diz “autor” e que consegue chamar público às salas de cinema, fez apenas um único bom filme, “Jaime” (1999).
Aquilo a que assistimos é mais uma produção cinematográfica em formato televisivo. Literalmente a telenovela no grande ecrã. O que se tem vindo assistir nos últimos anos no cinema português, com filmes como “Morangos com Açúcar”, “7 Pecados Rurais” e “A Teia de Gelo”, é uma tentativa de levar o público ao cinema através de filmes comerciais, com uma estética telenovelesca.
A história é sobre Rosa (Maria do Céu Guerra), com 73 anos, que fica viúva de Joaquim (Nicolau Breyner), com quem partilhou quase toda a existência, e sobre Jó (João Jesus) um rapaz proveniente de uma família disfuncional e pobre, criado com pouco afecto e compreensão. Quando o pai de Jó o expulsa de sua casa, este refugia-se no terraço de Rosa. Quando decide acolhê-lo em sua casa, nasce entre os dois uma enorme cumplicidade que, apesar de incompreendida por todos, se torna a cada dia mais forte e verdadeira.
A premissa de que uma viúva solitária faz amizade com um jovem de uma família disfuncional tinha tudo para ser no mínimo interessante. Uma história incomum sobre o amor e a amizade entre duas pessoas de idades bastante diferentes, levou a pensar no clássico “Ensina-me a Viver” (1971), de Hal Ashby. Quando nos confrontamos com “Os Gatos Não tem Vertigens”, fomos bem enganados.
A história é banal, previsível, cheia de clichés e personagens estereótipo. Tenta ser moralista, com o que é correcto fazer ou não e muito forçada a ideia de dar um passado de luta de resistência durante o Estado Novo, a Rosa e Joaquim. O filme consegue ter pontualmente alguns momentos de humor bem feitos, mas depois há coisas completamente descabidas. A personagem de Ricardo Carriço (Daniel, o marido da filha de Rosa e Joaquim, a Luísa) é um desses exemplos de personagem estereótipo, que logo no inicio do filme, na cena do funeral, se percebe que “quer roubar a velha”. O final é esticado, força as pessoas a chorar, é lamechas, e os diálogos são básicos, fracos.
Usando uma frase da personagem Rosa, “balelas cinco vezes!”. É uma balela achar que esta produção é cinema. É uma balela Vasconcelos comparar-se a Ford ou a Hawks. Não há uma única boa ideia, nem sequer uma ideia de cinema, mas houve dinheiro para fazer o filme. Não existe uma ideia de plano, enquadramento, nada.
Este é um daqueles casos em que o filme é mesmo muito mau, mas onde a interpretação da protagonista dá alguma luz ao fundo do túnel. Maria do Céu Guerra é uma das melhores atrizes portuguesas da sua geração e neste filme ela é o único aspeto positivo desta produção. Nota positiva também para o ator João Jesus e para a música original de Ana Moura (que só surge no final do filme).
Este é o tipo de cinema português que a generalidade dos portugueses vê, sem portanto saber o que é o cinema português, sem nunca ter visto na verdade um único filme português. Isto acontece quando um espectador na sala de cinema comenta, antes de o filme começar: “é estranho ver um filme sem legendas”.
“Os Gatos Não tem Vertigens” tenta passar uma esperança aos portugueses, mas a única esperança que nos resta é que o cinema português é muito mais do que telenovelas no grande ecrã. Há cinema para além destas produções audiovisuais. É isso que importa.
Realização: António-Pedro Vasconcelos
Argumento: Tiago Santos, António-Pedro Vasconcelos
Elenco: Maria do Céu Guerra, João Jesus, Fernanda Serrano, Nicolau Breyner, Ricardo Carriço, Tiago Delfino
Portugal/2014 – Comédia
Sinopse: Jó é expulso de casa pelo pai no dia em que faz anos. Sem ter sítio para onde ir, refugia-se no terraço do prédio de Rosa, que acabou de perder o marido. Ele tem 18 anos e ela 73. Quem diria que ia ser amor à primeira vista?