Imaginem que se aproxima um combate de boxe. No canto azul apresenta-se Tom ‘Light’ Hanks, um boxeur ultra-leve, veloz, desferindo golpes com um timing perfeito. A sua leveza confere-lhe uma carolice que assenta como uma luva no seu jogo de pés. A sua juventude revela-se no tempo em que se aguenta de pé, caindo por vezes, é certo (num só joelho), erguendo-se e atacando de imediato. O ataque é a única estratégia que conhece, mas a forma como se esquiva aos golpes do adversário através dos seus movimentos de tronco, é a sua melhor defesa. Habitualmente, chega ao fim dos combates como os começou: sem um olho inchado, sem um lábio a sangrar… Mas nos seus olhos conseguimos ver que ele tem medo de um dia, um dia que não sabe quando irá ele chegar, ao som da campainha estridente do árbitro, cair ao tapete num KO que seria inédito.
No canto vermelho, Tom ‘Heavyweight’ Hanks. Ele é um atleta experiente, contando tantos socos desferidos como os que embateram no seu corpo. Os seus pés pesam, mas move-se com classe. Cada jab, hook, uppercut, ou swing, são uma aula de boxe. Desfere-os com mestria, mas é lento, perdeu a objectividade. E nos seus olhos não vemos futuro, apenas amargura. O seu sangue espalha-se pelo ringue e no momento de declarar o vencedor, os seus braços pendem para o chão. A gravidade não perdoa.
Quem apoiariam? Eu cá sempre preferi o azul.
É inegável que existiu um ponto de viragem na carreira cinematográfica de Tom Hanks. Atribuo esse momento à sua participação em “Philadelphia” (1993), realizado por Jonathan Demme. Anteriormente, Hanks estreara-se como protagonista em “Splash” (1984), de Ron Howard. Neste filme, Hanks interpreta Allen Bauer, um homem que reencontra a sereia que o salvou de um afogamento quando era criança, e se apaixonam. No mesmo ano, participa em “Bachelor Party”, de Neal Israel, sobre uma despedida de solteiro que não tem por onde correr bem. No ano seguinte, seguiram-se “The Man With One Red Shoe”, de Stan Dragoti e “Volunteers”, de Nicholas Meyer. Mas é em 1986 que, depois de alguns anos de treino, atinge um bom nível de performance no ringue, com “The Money Pit”, realizado por Richard Benjamin e produzido por Steven Spielberg (a sua primeira colaboração). Neste filme, Hanks é Walter Fielding que, com a sua namorada recém- divorciada, compra um casarão antigo, que julgavam em bom estado. Com o decorrer do tempo, a casa vem quase literalmente abaixo. Ao longo do filme vão surgindo uma data de peripécias entre a casa e o casal, desde o desmoronamento das escadas, o curto-circuito da campainha, a explosão das canalizações, até à contratação de um carpinteiro e um canalizador que demoram 4 meses a restaurar a casa. O humor é leve, muitas vezes físico (destaco a cena em que Fielding cai do andaime), havendo ainda tempo para o drama e o romance: a discussão entre Fielding e Anna baseada na hipotética traição desta com o seu ex-marido, interpretado por Alexander Godunov.
Em 1986, Tom Hanks protagoniza mais dois filmes: “Nothing in Common” e “Every Time We Say Goodbye”. Entre 1987 e 1988, participa em “Dragnet”, “Big” e “Punch Line”. Em 1989, destaco “The Burbs”, de Joe Dante (realizador de “Gremlins”, de 1984).
Ray Peterson (Hanks) e Carol (Carrie Fisher), sua esposa, habitam numa rua sossegada de um subúrbio norte-americano, quando uma nova família de hábitos deveras estranhos se muda para a casa ao lado da sua. Aliado a um par de vizinhos (Bruce Dern e Rick Ducommun), Ray irá espia- los até desvendar os mistérios que a encobrem. É o primeiro filme em que Hanks assume o papel de um homem casado, e a temática do filme enuncia parecenças com filmes de Mel Brooks (“Young Frankenstein” de 1974) ou de Roger Corman (“House of Usher” de 1960).
Até “Philadelphia, Hanks protagoniza ainda em “Turner & Hutch”, e entrando na década de noventa , em “Joe Versus The Vulcano” (1990), “The Bonfire of Vanities”, de Brian de Palma, “A League of Their Own”, e “Sleepless in Seattle” (1993), de Nora Ephron.
A partir de “Philadelphia” a história é outra. Falamos de um atleta diferente.