O Mês do Orgulho LGBTQIA+ não é só para celebrar a nossa queerness, é também para celebrar e pensar sobre a nossa História. Uma forma interessante de fazer isso é através do cinema Queer feito ao longo da história, que muitas vezes é negligenciado. Refletindo sobre diversos filmes, pensei que o cinema avant-garde poderia ser uma boa forma de fazer isto, visto que este é um tipo de cinema que historicamente reflete as vivências de pessoas Queer de uma forma corajosa. Refletindo três momentos ou facetas da História Queer, estes são 3 filmes para refletir na nossa História este mês.
Silêncio: “Un Chant d’Amour”, realizado por Jean Genet, 1950
Desenrolando-se no ambiente de uma prisão, este filme reflete de uma forma aterradora a luta que o amor Queer enfrentou ao longo da História sob o peso da opressão heteronormativa. Seguindo o caso amoroso entre dois prisioneiros sob o olhar opressivo de um guarda prisional, este filme funciona como uma metáfora brilhante, em que o meio prisional reflete a sociedade heteronormativa, que ativamente oprime, mas ao mesmo tempo vive em fascínio (e até inveja) daquilo que considera “desviante”. Através de imagens que pingam com homoerotismo, Genet usa a câmera como um meio de nos transportar para a paixão ardente que aflige estes prisioneiros, dando assim uma voz ao silêncio das experiências Queer do seu tempo. Usando nudez explicita e fantasias homoeróticas, este filme ainda é audaz atualmente. Com imagens poderosas, mas ao mesmo tempo ingénuas, “Un Chant d’Amour” possui uma beleza que se entranha, acabando por ser um filme sobre o amor Queer e o seu triunfo mesmo sob agressão e violência constantes.
Libertação: “Pink Narcissus”, realizado por James Bidgood, 1971
Realizado no início do pós-Stonewall, este filme reflete a libertação sexual que seguiu a revolta. Enchendo o ecrã com um mar de alucinações coloridas, este é um sonho gay no sentido mais verdadeiro da expressão, capturado em filme de uma forma utópica. Habitado por uma estética exótica e decadente, sequências oníricas centradas num jovem angélico seguem-se umas às outras. Em nenhum momento James Bidgood se acanha na sua visão verdadeiramente e fantasticamente Queer. Imagens coloridas de matadores em casas de banho públicas ou jardins babilónicos habitados por concubinos engolem o espectador de forma provocadora num sentimento de verdadeira libertação. Através da ausência de uma figura opressiva, este filme torna-se em algo incrivelmente audaz ao mostrar um mundo onde o corpo e a sexualidade humana são libertos de forma plena e a experiência humana pode ser plenamente explorada. É um filme utópico que ainda hoje nos afeta e nos permite sonhar.
Luta: “Blue”, realizado por Derek Jarman, 1993
Consistindo num simples ecrã azul contínuo, este é um filme que requer coragem do espectador pelo seu poder e pela sua forma atípica, sendo este convidado a experiênciar o cinema de uma forma diferente. Engolindo-nos num mar de azul, somos hipnotizados por essa cor que nos preenche enquanto ouvimos diferentes atores a recitar poesia e o próprio Jarman a narrar a sua experiência com a SIDA. Refletindo sobre a deterioração do seu corpo e o aprisionamento da sua mente, o espectador é envolvido pelas vozes que nos falam de dentro deste grande ecrã azul. Lentamente o espectador é quase que hipnotizado, fazendo com que a realidade do que nos é recitado se torne mais palpável. A autenticidade deste filme, das experiências que Derek Jarman partilha connosco, aproxima-nos de uma forma dolorosa das experiências de tantos homens gay durante os anos 80 e 90. Não só este filme se atreve a subverter as regras do cinema, também se atreve a ser uma voz cheia de força apesar da violência homofóbica e negligente do mundo à sua volta. É impossível sentir-se a mesma pessoa após este filme. O mar azul que segreda no ecrã entranha-se em nós, preenchendo-nos com tristeza – mas também força para lutar.