Bela Lugosi’s Not Dead, por José Alberto Pinheiro

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Poucas  personagens ficcionais  gozam de uma notoriedade e prevalência no imaginário colectivo comparável à de Drácula. Publicado durante o último sopro do século XIX, viria a tornar-se num dos mais populares livros de todos os tempos.

Se às letras devemos o charme do monstro romântico saído da pena de Bram Stoker, não é menos verdade que é à sétima arte que este deve a propagação universal da sua vida – até ver – eterna.

São inúmeras as representações do conde da Transilvânia transportadas ao grande ecrã. Max Schrek, Christopher Lee, Frank Langella , Klaus Kinski, Gary Oldman – cada um destes grandes actores contribuiu com a sua sensibilidade e talento para a propagação do “virús”. Mas é a um expatriado da própria terra mãe da personagem ficcional que devemos a interpretação que veio a definir a imagem que se disseminou pela cultura popular. O aristocrata do velho mundo, elegante e misterioso, envolto na icónica capa que simultaneamente seduz e oculta um mundo de trevas insondáveis.

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Nascido em 1882, Béla Ferenc Dezső Blaskó, foi o mais novo de quatro irmãos de Lugos, então parte do império Húngaro, hoje pertencente à Roménia. A sua origem viria a motivar o seu pseudónimo Lugosi, que adoptou em 1903.

Com apenas 12 anos abandona a escola, em busca dos palcos. Nos anos que se seguiram, percorreu um itinerário que o conduziu a dezenas de papéis secundários no Teatro Nacional da Hungria, entre 1913 e 1919. Este período foi interrompido pela eclosão da primeira grande guerra, que levaria Bela a integrar o exercito Austro-Húngaro, onde ascendeu à posição de capitão da Ski Patrol, sendo mais tarde condecorado pelas sequelas sofridas em batalha na frente Russa.

O envolvimento do actor na esfera política, nomeadamente no campo do sindicalismo, valeu-lhe uma fuga forçada do seu país aquando da revolução de 1919. O caminho passaria por Viena e Berlim, sendo precisamente na Alemanha que podemos observar uma colaboração que se viria a revelar profética, com nada menos que o gigante do expressionismo alemão F.W. Murnau. Der Janus-Kopf (1920) era uma adaptação não autorizada (à semelhança do que mais tarde aconteceu com Nosferatu) do clássico do terror Dr. Jekyll and Mr. Hyde de Robert Louis Stevenson, contando com Conrad Veidt, estrela de Das Cabinet des Dr. Caligari (1919), no principal papel.

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Em Outubro de 1920 deixa a Alemanha, rumo aos EUA, e é aqui que no Verão de 1927 é abordado para um papel que viria a alterar para sempre o rumo da sua vida… a produção da Broadway de Drácula iria revelar-se um sucesso. No ano seguinte, quando a tournée do espectáculo terminou, Lugosi decidiu ficar pela Califórnia, estado onde se realizou a ultima performance.

Não tardou a que o actor chamasse a atenção da efervescente industria de Hollywood. A 2 de Fevereiro de 1931 estreava Dracula de Tod Browning, com Lugosi a levar à tela a personagem com que tinha já atravessado as tábuas o pais. Os relatos – hoje caricatos – do choque e do terror experienciados pelo público, alimentariam a popularidade da película, que se espalhou como fogo selvagem. Por esta altura o terror, embora timidamente desbravado, tinha-se já afirmado como um género preferencial para os estúdios, e no que toca ao mercado americano, havia já um ícone incontornável – Lon Chaney. Encontrar um sucessor à altura para figurar na galeria de monstros da Universal  não era tarefa isenta de risco, mas Lugosi respondeu à chamada – contribuindo para um dos maiores sucessos de bilheteira do estúdio e para o relançamento do filão.

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O sucesso alcançado abriu-lhe as portas para mais uma oferta aparentemente irrecusável – interpretar Frankenstein.

Ansioso por reclamar o respeito dos seus pares, Bela considerou que trabalhar um monstro sem qualquer fala e coberto de maquilhagem não seria dignificante para um “actor sério”, declinando o papel que muitos cinéfilos defendem que o poderia ter libertado da maldição da tipagem vampírica, fardo que o acompanharia até ao fim dos seus dias.

A recusa de Bela acabaria por abrir a porta a um dos mais emblemáticos actores do cinema de terror – Boris Karloff.

Frankenstein (1931) de James Whale, estreia em Novembro de 1931, sendo alvo de uma recepção ainda mais efusiva do que o seu antecessor e afirmando, sem margem para qualquer dúvida, o papel que o cinema de terror iria ter para a Universal nos anos subsequentes.

O degrau acima porque Bela tanto esperara, nunca chegou. Sem que o pudesse imaginar, o conde tinha sido o ponto mais alto da sua carreira, que a partir dai se arrastou num sem fim de filmes que capitalizaram na sua popularidade enquanto ícone do terror, contribuindo migalha a migalha para a bênção/maldição da qual nunca se libertou.

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Dos filmes que se seguiram destacam-se a incontornável produção independente White Zombie (1932) de Victor Halperin, The Black Cat (1934) e The Invisble Ray (1936) – contracenando nos dois últimos com o então correligionário Boris Karloff.

De todos os holofotes a que um actor de Hollywood poderia aspirar, no declínio da sua carreira, Bela conquista pelo menos mais um. Volta a ser peça fundamental de um momento profético na história do cinema, tornando-se a primeira celebridade a assumir publicamente o tratamento de toxicodependência. As revistas cor de rosa e os tablóides ensaiaram com ele a mecânica sensacionalista e inescrupulosa que viria a ser responsável pela venda de incomensuráveis quantidades de tinta e papel em tempos por vir.

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Enquanto Bela se tentava levantar para um último grande acto, foi encontrado por um jovem que viria a merecer o rótulo de pior realizador do mundo – Edward D. Wood Jr. Fan fervoroso de Lugosi, Ed Wood via, ingenuamente, no príncipe Húngaro uma potencial chave para a projecção comercial dos seus delírios. Desta fase destaca-se o thriller sobrenatural-atómico Bride of The Monster (1955) , em que no papel de Dr. Eric Vornoff, entrega um discurso que hoje é tido pela sua legião de admiradores como um dos seus momentos mais pessoais no grande ecrã.

Viria ainda a ser “estrela” daquele que foi considerado por alguns sectores da crítica como o pior filme de sempre: Plan 9 from Outer Space (1959).

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Uma versão extremamente romantizada deste relacionamento pode ser encontrada em Ed Wood (1994) de Tim Burton, onde Martin Landau entrega uma interpretação magistral do bom velho Bela.

Ao escrever esta crónica, esforcei-me por me recordar da primeira vez que vi Bela Lugosi, que vi Drácula… não consegui, é uma “daquelas” imagens. Sei que esteve presente na minha adolescência, e que o seu nome me chegou por um tema dos Bauhaus, que havia assinalado a entrada do pós-punk e a inundado a cena musical alternativa de eyeliner, cabedal preto e veludo vermelho. Foi cantando o destino do pobre conde, que a banda de Northampton lançou a primeira pedra do que hoje conhecemos como movimento gótico.

Apesar de ter retornado ao pó em Agosto de 1956, enterrado com a sua capa de príncipe das trevas – nem o filho e a quinta mulher lhe aliviaram a referida bênção/maldição – Lugosi continua bem vivo no imaginário popular. Mesmo que não soubéssemos o seu nome, ou os contornos da sua tumultuosa ascensão  ou trágico declínio, o filho de Lugos foi um dos grandes responsáveis pela escultura de Drácula, essa que eu guardo, e tu também. Sempre que o O Lago dos Cines soa, lá está Lugosi, elegante e hipnótico,  para todo o sempre.

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Beware! Beware!

Beware of the big, green dragon that sits on your doorstep!

He eats little boys, puppy dog tails, and big, fat snails!

Take care! Beware!

José Alberto Pinheiro

Realizador e Professor do Ensino Superior

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