O realizador de “Kes” (1969), “Riff-Raff” (1991), “O Meu Nome é Joe” (1998), “O Espírito de ‘45” (2013) e “Brisa de Mudança” (2006), que venceu a Palma de Ouro em Cannes, tornou a repetir a proeza no Festival de Cannes 2016 com “Eu, Daniel Blake”. Aos 80 anos o cineasta inglês realiza aquela que é possivelmente a sua obra prima. Um filme comovente com uma grande mensagem e de um realismo absurdo, sobre o Estado Social da Europa, sempre com uma simplicidade e eficácia a que Ken Loach já nos acostumou.
A história é sobre Daniel Blake (Dave Johns), um carpinteiro de 59 anos de idade que sobreviveu a um ataque cardíaco. Segundo os seus médicos não pode trabalhar, mas vê-se obrigado a lutar contra a burocracia da Segurança Social. Daniel acaba por conhecer Katie (Hayley Squires), mãe solteira com duas crianças que está a passar por grandes dificuldades, ajudando-se um ao outro a lutar contra o sistema.
Daniel Blake é um proletário, um caso real, em que se vê preso na complexa teia burocrática do Estado Social que obriga-o a procurar um improvável emprego, ou a ficar exposto a perder a pequena ajuda que recebe, apenas o suficiente para sobreviver. É de loucos, é desumano, toda a burocracia a que Daniel Blake é obrigado a percorrer. Tratam-no como um cão, um animal, que é empurrado de formulário em formulário, de mesa em mesa. Os serviços sociais concluem que Daniel Blake está em condições de trabalhar, sem nunca ouvirem a pessoa, apenas o tratam como um número, entre muitos, que ou trabalha ou não trabalha. A mulher Katie vê-se também encurralada e prejudicada pela Segurança Social, tendo que se sujeitar a tudo só para poder dar de comer aos seus dois filhos. A interpretação de Dave Johns é soberba, assim como a de Hayley Squires. As duas estrelas deste brilhante drama.
Ken Loach apela à luta, e não ao silêncio. Cria uma narrativa simples e delicada para abordar questões complexas da sociedade. O cineasta explorou em parte estas questões no seu anterior filme, o documentário “O Espírito de ‘45”, sobre o espírito que se viveu na Grã-Bertanha durante o pós-guerra que viria a criar o chamado “estado social”. O que faz com que “I, Daniel Blake” seja como uma consequência desse estado social, ou seja, há uma continuação, uma ligação na obra de Loach.
Este é um filme urgente, de propaganda, emotivo um filme de luta que não muda o mundo, mas ajuda a compreendê-lo um pouco melhor. É um fiel retrato da nossa sociedade, da Europa que temos. Loach apresenta-nos a ideia de que a lógica do sistema é contra as pessoas e não a favor delas. O sistema aprisiona-nos e por fim destrói-nos. Dá-nos vontade de gritar, de lutar. Mostra-nos como muitas pessoas são descriminadas nos centros de emprego e na Segurança Social. Precisamos de mais pessoas com o espírito de Daniel Blake. Precisamos de gritar e defender os nossos direitos. É a dignidade humana que está aqui em causa. Uma obra prima, um filme cru e realista de visualização obrigatória.
Realização: Ken Loach
Argumento: Paul Laverty
Elenco: Dave Johns, Hayley Squires, Sharon Percy
Reino Unido/2016 – Drama
Sinopse: Daniel Blake (59 anos) trabalhou como marceneiro durante a maior parte da sua vida, em Newcastle. Agora, e pela primeira vez, precisa de ajuda do Estado. O seu caminho cruza-se com o de Katie, mãe solteira, e as suas duas crianças, Daisy e Dylan. Para escapar à vida numa residência para sem-abrigo em Londes, a única hipótese de Katie foi a de aceitar um apartamento numa cidade que ela desconhece, a 300 milhas de distância. Daniel e Katie encontram-se na terra de ninguém, apanhados pela burocracia da Segurança Social… Palma de Ouro do Festival de Cannes.