Double Bill Filmin é uma rubrica quinzenal inspirada no fenómeno da indústria cinematográfica em que as salas de cinema exibiam dois filmes pelo preço de um. Double Bill dá a conhecer dois filmes a ver na plataforma de streaming Filmin. Dois Filmes, uma Filmin.
O quarto episódio do Double Bill Filmin sugere dois filmes interligados pela luta dos direitos LGBTI+, de mulheres e homens que se assumiram com outras orientações sexuais e que ocuparam as ruas para assumir uma posição: “Os Invisíveis” e “120 Batimentos por Minuto”. No primeiro luta-se pela liberdade de se amar quem quiser, enquanto que no segundo combate-se a SIDA.
Realizado por Sébastien Lifshitz, este é um filme delicado e emocionante sobre homens e mulheres nascidos no período entre as guerras, que optaram por viver sem esconderem a sua orientação sexual, numa sociedade francesa que os desprezava. Através deste retrato documental entre entrevistas (bastante intimas) e imagens de arquivo (pessoais e familiares), Sébastien Lifshitz tenta perceber como é que os homossexuais e bissexuais daquela geração conseguiram amar e viver em liberdade numa sociedade que os considerava portadores de uma anomalia e que os punha de lado.
Os depoimentos destas pessoas mostram como tiveram de esconder nos primeiros anos a sua orientação sexual, e de como continuam a viver as suas vidas de forma corajosa. Sabia-se que existiam homossexuais, mas o escanda-lo naquela época era afirmar ser-se gay, bi ou lésbica. Era impensável e era-se reprimido pela sociedade. Estas pessoas tiveram a coragem de se afirmar e de viver assumindo a sua orientação sexual. Da década de 1950 aos loucos anos 1960 e 1970, o filme conta as histórias destes homens e mulheres “invisíveis”, que são hoje casais ou pessoas entre os 70 e 90 anos. De invisíveis passaram a ser visíveis, com manifestações em toda França, homens e mulheres lutaram nas ruas pela livre escolha de amar qualquer sexo, assim como pela legalização do aborto.
“Os invisíveis” é um filme cativante e poderoso sobre a história da homossexualidade do século XX contada pelos protagonistas que a viveram e lutaram. Um emocionante retrato sobre a solidão, o envelhecimento, o amor e a liberdade.
120 Batimentos por Minuto (2017)
Se no primeiro filme as ruas eram ocupadas por homens e mulheres que exigiam o direito ao amor, independentemente do seu sexo ou orientação, neste segundo filme as ruas são ocupadas por “soldados” que combateram a SIDA, tendo o seu sangue sido derramado e ignorado. Eles querem viver. Este filme é uma celebração à vida.
Filme melancólico e político este de Robin Campillo que escreveu o argumento juntamente com Philippe Mangeot, presidente da Act Up francesa. Baseado nas próprias experiências de Campillo e de Mangeot, como membros desta associação francesa, o filme retrata as suas lutas ativistas contra a epidemia da Sida nos anos 1990. Descontentes com a passividade e o silêncio dos políticos, cientistas e dos lucros das farmacêuticas, a Act Up Paris foi uma associação militante de luta de combate à SIDA, da comunidade homossexual, criada em 1989, inspirada no modelo americano. A inacção por parte do Governo francês, que nada fez para prevenir o alastrar do VIH, leva a que muitos jovens se juntem a este movimento militante a praticar ações não violentas em defesa da prevenção e do tratamento da doença. É neste contexto que Nathan, um jovem que se junta ao movimento, conhece Sean, um dos militantes mais fiéis e proactivos do Act Up, e que de um beijo politico entre eles, se cria uma relação forte.
Esta obra de Campillo demonstra muito bem os bastidores da epidemia; da luta da Act Up ao ataque das indústrias farmacêuticas, ao seu papel fundamental na sensibilização da população, como por exemplo nas escolas. É por isso, também, um filme pedagógico. Como a certa altura alguém diz que a ignorância é uma ameaça e que o conhecimento é uma arma. Um documento histórico que discute uma doença, que não se limita a recriar o passado, tornando-o numa obra intemporal e obrigatória. Estas personagens são reais, elas existiram e infelizmente milhares não se encontram hoje entre nós. É assumidamente um cinema militante.