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Hamdan Ballal, co-realizador de ‘No Other Land’, é libertado após ser espancado e detido pelo Estado israelita

Durante a detenção, Hamdan Ballal foi espancado por soldados iraelitas. Após ser libertado, foi tratado em Hebron e já está em casa, com a família em Susya
Hamdan Ballal Hamdan Ballal
Foto: Leo Correa/AP

O jornalista, activista e realizador palestiniano Hamdan Ballal, vencedor do Óscar, foi libertado nesta terça-feira (25) após ser detido e agredido por soldados numa prisão militar israelita. A notícia foi confirmada por Yuval Abraham, cineasta israelita e correalizador do documentário “No Other Land”, que, juntamente com Ballal, recebeu o Óscar de Melhor Documentário em 2025.

De acordo com a advogada de Ballal, Leah Tzemel, o realizador foi detido “arbitrariamente” em Kiryat Arba’a, um assentamento israelita na Cisjordânia ocupada. Durante o período de detenção, Ballal foi espancado por soldados. Após ser libertado, foi transferido para um hospital em Hebron, onde foi tratado dos ferimentos, conforme relatou o seu irmão, Nimer.

Apesar de estar desidratado e com hematomas, Ballal deixou o hospital, segundo informou o seu co-realizador, Basel Adra, à CNN. Ele já se encontra em casa, junto da sua família em Susya, na Cisjordânia ocupada, confirmou o seu irmão.

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O ataque

Na tarde de terça-feira (25), em meio às lágrimas e da sua casa na vila de Susya, a esposa de Hamdan Ballal, Lamya, relatou à CNN que seu marido foi atacado por três colonos logo após o Iftar, o momento do pôr do sol que marca o fim do jejum durante o Ramadã.

Segundo Lamya, Ballal viu um grupo de colonos atacando a vila e, ao tentar documentar a situação, foi perseguido por eles. Os colonos espancaram Ballal com soqueiras e a coronha de um rifle na cabeça, enquanto outros atiravam pedras contra a porta da casa e tentavam invadir pelas janelas, onde Lamya e seus três filhos estavam escondidos, aterrorizados.

Basel Adra, correalizador do documentário “No Other Land”, contou à CNN que foi chamado por Ballal na noite de segunda-feira (24), quando ele estava em perigo. Ao chegar, encontrou Ballal e pelo menos outra pessoa sendo levados pelos militares israelenses.

Além disso, Adra testemunhou a presença de um grupo de colonos mascarados, policiais israelenses e militares do lado de fora da casa, disparando contra quem tentasse se aproximar.

A equipa da CNN encontrou um estojo de bala a poucos metros da porta da frente de Ballal.

Imagens compartilhadas nas redes sociais mostraram o momento em que o carro de Hamdan foi atingido por pedras lançadas por colonos mascarados na segunda-feira. Testemunhas indicam que, após as agressões, Ballal foi retirado à força da ambulância que o transportava pelos militares israelenses.

O que afirma o Estado israelita?

Ainda na segunda-feira (24), as Forças de Defesa de Israel (FDI) emitiram uma nota esclarecendo que ocorreu um confronto entre israelitas e palestinianos perto de Susya, mas refutaram as alegações de que algum palestiniano tenha sido detido dentro de uma ambulância, como relatado no caso de Hamdan Ballal.

A mesma nota indicou que, após a chegada das forças da IDF e da polícia israelita para dispersar o confronto, vários indivíduos começaram a atirar pedras contra as autoridades.

Como resposta, as forças de segurança prenderam três palestinianos suspeitos de lançar pedras, assim como um civil israelita envolvido no conflito. Todos os detidos foram levados para interrogatório pela polícia israelita.

Outros ataques

Esta não é a primeira vez que Hamdan Ballal se vê alvo de intimidação e ameaças por parte de colonos israelitas. Numa entrevista à CNN no ano passado, ele relatou que os colonos colocavam rebanhos nas suas terras enquanto ele dormia.

Na altura, explicou a Nic Robertson, da CNN, que os colonos tinham planos de tomar as suas terras e fazendas, e que a agressão se intensificou após os ataques do Hamas, a 7 de outubro de 2023.

Ballal documentou diversas interacções com os colonos, incluindo uma ameaça de violência, feita por um deles, que afirmou que Deus lhe tinha dado as terras do activista. O realizador relatou ainda que, embora tenha chamado a polícia, a resposta foi ineficaz.

E a Academia?

Nesta quarta-feira (26), Yuval Abraham denunciou que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (AMPAS) não ofereceu apoio a Hamdan Ballal após ele ter sido atacado por colonos na Cisjordânia e depois detido por soldados israelitas. Abraham criticou a Academia por não ter emitido uma declaração sobre o ataque, enquanto outras organizações cinematográficas internacionais o fizeram.

“Infelizmente, a Academia dos EUA, que nos concedeu um Óscar há três semanas, recusou-se a apoiar publicamente Hamdan Ballal enquanto ele era espancado e torturado por soldados e colonos israelitas”, escreveu Abraham no X.

“A Academia Europeia expressou apoio, assim como inúmeros outros grupos de premiação e festivais. Vários membros da Academia dos EUA — especialmente no ramo de documentários — pressionaram por uma declaração, mas esta foi finalmente recusada. Disseram-nos que, como outros palestinos foram espancados no ataque dos colonos, isso poderia ser considerado não relacionado ao filme, por isso não sentiram necessidade de responder”, continuou Abraham.

Abraham prosseguiu: “Em outras palavras, enquanto Hamdan foi claramente alvo por fazer No Other Land (ele lembrou-se de soldados brincando sobre o Óscar enquanto o torturavam), ele também foi alvo por ser palestino — como inúmeros outros todos os dias, que são desconsiderados. Isso, ao que parece, deu à Academia uma desculpa para permanecer em silêncio quando um cineasta que eles homenagearam, vivendo sob ocupação israelita, mais precisava deles. Não é tarde demais para mudar essa posição. Mesmo agora, emitir uma declaração condenando o ataque a Hamdan e à comunidade de Masafer Yatta enviaria uma mensagem significativa e serviria como um impedimento para o futuro.”

A Academia costuma manter-se em silêncio em relação a detenções ou episódios de violência contra os seus vencedores. Contudo, em 2011, a instituição fez uma exceção ao pedir a libertação de cineastas iranianos detidos.

Em oposição a isso, a Academia Europeia de Cinema fez um apelo às autoridades israelitas para a libertação imediata e incondicional de Hamdan Ballal.

Além disso, cineastas como Alex Gibney, Liz Garbus, Ezra Edelman, Christine Vachon e Maite Alberdi, entre outros 3.700 signatários, juntaram-se a uma petição exigindo a sua liberdade e segurança. Mark Ruffalo também apelou a “todos os cineastas e membros da Academia” para que “se unissem em protesto” após o ataque a Ballal.

Quem é Hamdan Ballal?

Hamdan Ballal é um dos dois primeiros palestinianos a conquistar um Óscar. Nascido em 1989, é activista dos Direitos Humanos, fotógrafo e agricultor na aldeia de Susya, na Cisjordânia.

Juntamente com Basel Adra, e os israelitas Rachel Szor e Yuval Abraham, dedicou cinco anos ao documentário “No Other Land”, o seu primeiro projecto no mundo do cinema. Nesse trabalho, desempenhou várias funções, como director, produtor, argumentista e montador.

Ballal também faz parte do projecto Humans of Masafer Yatta, que regista as demolições feitas por colonos israelitas na região. No seu último texto, publicado em janeiro, deixou um poderoso desabafo: “As nossas cabeças estão a ser esmagadas enquanto o mundo finge que não vê”.

No Other Land

“No Other Land conquistou os Óscares e vários prémios internacionais desde a sua estreia no Festival Internacional de Cinema de Berlim em 2024, mas também suscitou polémica, tanto em Israel como em várias partes do mundo.

O documentário, que reúne mais de duas mil horas de gravações, é uma incursão corajosa e inquietante na realidade de Masafer Yatta, uma região no sul da Cisjordânia, onde a destruição das aldeias e a violência contra os palestinianos são um quotidiano imposto pela ocupação israelita.

Ao longo de cinco anos, o colectivo de activistas e cineastas filmou a expulsão forçada de palestinianos e a invasão ilegal de colonos israelitas. Nos anos 1980, o Exército israelita designou a região como zona de treino militar de fogo real, impondo a expulsão dos seus moradores, na sua maioria árabes beduínos. Hoje, cerca de mil palestinianos ainda resistem, mas são confrontados constantemente com demolições de casas, tendas, reservatórios de água e plantações de oliveiras, símbolos da sua luta pela sobrevivência e pelo direito à terra.

O documentário não é apenas uma crónica do sofrimento, mas uma poderosa denúncia da continuidade da ocupação. Os palestinianos de Masafer Yatta vivem com o medo constante de uma expulsão total, uma ameaça iminente que paira sobre as suas vidas, enquanto a política de colonização de Israel avança sem cessar. Já são mais de 100 assentamentos israelitas na Cisjordânia, com mais de 500.000 colonos, enquanto cerca de 3 milhões de palestinianos continuam a viver sob ocupação militar, com a Autoridade Palestina, que é apoiada pelo Ocidente, a gerir apenas alguns centros populacionais, sem poder real de intervenção.

“No Other Land” não só documenta, mas também coloca em xeque a indiferença da comunidade internacional e a responsabilidade daqueles que permanecem em silêncio diante de um processo contínuo de colonização.

O filme desafia o espectador a confrontar a dureza da realidade que muitos preferem ignorar, forçando uma reflexão sobre as implicações da ocupação e as suas consequências para o futuro da região.