«Mandy» – A arte de não olhar para o lado

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When I die, bury me deep, lay two speakers at my feet, put some headphones on my head and rock and roll me when I’m dead”. Basta a frase que serve de preâmbulo a “Mandy” para antecipar com firmeza que este não é, de todo, o vulgar filme de terror que hoje em dia se vê casualmente numa sexta-feira à noite. “Mandy” é, para o bem ou para o mal, algo de muito raro pelas bandas de um cinema superlotado de comédias rápidas e insossos dramas e a sua citação introdutória terá, entre outras funções, a de indiciar essa ideia.

“Ser diferente” é uma expressão que não deveria pretender significar ser melhor nem ser pior, deveria cingir-se simplesmente àquilo que afirma ser, diferente. São muitos os filmes que se aproveitam da sua raridade para aspirarem a ser algo mais e não respeitam aquilo a que se propuseram ser. O filme de Panos Cosmatos, filho de George P. Cosmatos (de quem também partilha a mesma profissão e, qui sapit, inspiração nas temáticas), usa a diferença (no sentido mais denotativo do termo) a seu favor, já que se torna difícil de assentar Mandy num género concreto.

Pode dizer-se que é um filme que se situa algures num espaço único (com uma vénia a Panos Cosmatos pelo ambiente único criado) entre o thriller e o terror num enredo que não é só um revenge movie nem só um grindhouse horror. Na falta de uma melhor descrição e aproveitando a expressão com que se introduziu o artigo, poder-se-á atribuir a “Mandy” a classificação de heavy metal horror. É seguida a acção sobretudo na perspectiva de “Mandy” (Andrea Risenborough) e, posteriormente, do seu namorado Red (quem achar que o nome da personagem interpretada por Nicholas Cage é fruto do acaso provavelmente estará enganado) na sua vingança sangrenta sobre um culto de hippies liderado por Jeremiah Sand (Linus Roache). Divide-se a película em duas partes que se podem considerar distintas, mas que, ao contrário do que por vezes acontece, se completam de modo a criar uma experiência acima de tudo sensorial, cedendo as intelectualidades aos seus reivindicadores, num filme que deixa a certa altura de conter personagens a alucinar, para passar o observador a partilhar desse estado.

Naquilo a que se pode chamar de uma desorganização organizada, todos os acontecimentos são apresentados sob uma aura de desorientação representativa do estado dos seus intervenientes, desde as guitarras de Jóhann Jóhannsson, que faleceu no passado ano de 2018 e deixou esta última banda sonora, a uma improvável luta de motosserras, passando pela cena de Nicholas Cage que ficou na memória de todos (sim, essa). O resto, é ver para crer, sendo “crer” uma das palavras que guia a narrativa.

Certamente um dos factores de destaque do filme é a participação de Nicholas Cage como um dos protagonistas. Ainda assim, embora o actor presenteie os fãs com um desempenho incrível que junta um pouco de tudo aquilo que já fez de bom, de mau e assim-assim, o galardão merece ser compartilhado (senão até cedido) a Andrea Risenborough, que lidera nas contribuições para que o espectador se mantenha agarrado ao assento e a reflectir se não se terá enganado na medicação.

O cinema, por vezes (há quem defenda que o é quase sempre), é feito para arrancar quem o experiência da zona de conforto e é esta capacidade para ser singular sem sacrificar (palavra intencional) o seu carácter e virtudes, o que torna “Mandy” um dos filmes mais cool de 2018.

PS: Filme contraindicado em casos de protanopia.

78c15afcc047c7a2bef3a2ea9ce1cab58e6a390c 3Realização: Panos Cosmatos
Argumento: Panos Cosmatos, Aaron Stewart-Ahn
Elenco: Nicolas Cage, Andrea Riseborough, Linus Roache
EUA/Bélgica/2018 – Ação/Aventura
Sinopse
: 1983. Algures numa região isolada das Shadow Mountains na Califórnia, o lenhador Red Miller vive apaixonado pela encantadora e misteriosa Mandy Bloom. Mas a vida pacata que construiu para si mesmo desmorona súbita e tragicamente quando um grupo descontrolado de idólatras invadem furiosamente o seu idílico paraíso. Destroçado, a existência de Red resume-se agora a um único pensamento: vingança. Estreado em Sundance, presente na Quinzena dos Realizadores de Cannes, o muito aguardado segundo filme de Panos Cosmatos (“Beyond the Black Rainbow”) tem desta vez Nicolas Cage como protagonista, mas mantém a capacidade para induzir estados alternativos de consciência no espectador. É também o último filme que conta com a música do malogrado compositor islandês Jóhann Jóhannsson.

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