Existem poucos realizadores capazes de captar a solidão como Sofia Coppola. Quem conhece a filmografia da realizadora não fica indiferente aos temas de descoberta pessoal, alienação e aprisionamento. No seu mais recente filme, “Priscilla” (2023), Coppola desmistifica um dos maiores ícones da cultura americana ao explorar a vida de Priscilla Beaulieu e a sua relação com Elvis Presley. Através do olhar de Priscilla, é-nos partilhada uma relação complexa e por vezes tumultuada entre uma das maiores estrelas do século XX e uma jovem que se vê catapultada para o mundo da fama.
O filme teve estreia internacional no Festival de Veneza, e a soberba interpretação de Cailee Spaeny valeu-lhe a Taça Volpi de Melhor Atriz; este Elvis, mais sombrio e complicado, é interpretado por Jacob Elordi, contrastando com a versão de Austin Butler em “Elvis” (2022) de Baz Luhrmann. Baseado no livro de memórias ‘Elvis and Me’ escrito por Priscilla Beaulieu e Sandra Harmon, a narrativa começa quando Priscilla, com apenas 14 anos de idade, conhece Elvis Presley, de 24, numa festa na Alemanha Ocidental. Mais tarde, mas ainda adolescente, deixa a sua família para trás para viver com o cantor em Graceland – mansão de Elvis Presley em Memphis, Tennessee. A ausência constante de Elvis dá lugar a uma solidão profunda de Priscilla, não só em casa mas também na escola que frequenta; é nesta alienação que a protagonista procura um lugar num mundo que não é o seu. Desde o momento em que entra em Graceland, vê a sua liberdade condicionada, o seu trabalho é atender o telefone quando o marido liga. As sequências de solidão contrastam com as cenas nas quais Elvis e a sua equipa estão em Graceland, as noites longas de festa dão uma falsa sensação de felicidade a Priscilla, no entanto, tudo é ditado na sua vida pelo marido, desde a maneira como se veste até ao que pode ou não fazer. É tangível o poder que Elvis tem sobre Priscilla, mas também é tangível a evolução da personagem de Priscilla que culmina no tão esperado momento de emancipação.
No filme de Sofia Coppola, Elvis passa a um papel secundário, e é Priscilla quem assume o protagonismo. O filme aborda temas de misoginia e o papel da mulher na sociedade ao destacar as experiências de Priscilla, enfocando a sua luta por autonomia e identidade num mundo dominado por figuras masculinas. Através desta relação, Coppola explora como o amor e a admiração se entrelaçam com questões de poder e controlo, refletindo sobre a condição feminina dentro do contexto do casamento e da fama. Assim, é-nos apresentado um lado desconhecido de uma das maiores estrelas dos Estados Unidos; o filme acaba por desmistificar a figura de Elvis Presley e talvez tenha desagradado alguns fãs da estrela do rock. Elvis está longe de ser um marido perfeito; pelo contrário, os atos de agressão e manipulação crescem ao longo do filme, revelando uma relação na qual existe apenas espaço para o homem, o papel de Priscilla na vida do marido é simplesmente estar presente sempre que ele precisar.
É impossível ver “Priscilla” e não nos lembrarmos de outros filmes de Sofia Coppola e estabelecer uma relação entre a solidão de Priscilla Presley, Marie Antoinette, Charlotte, e as irmãs Lisbon. Tanto “Priscilla” como “Marie Antoinette” (2006), “Lost in Translation” (2003), e “The Virgin Suicides” (1999), exploram temas de solidão, relações pessoais e a sensação de estar preso numa “gaiola dourada”. Em “Priscilla”, a relação complexa e as lutas de Priscilla Presley refletem uma busca por identidade e liberdade pessoal. “Marie Antoinette” foca na jovem rainha presa pelas expectativas e luxos da realeza, destacando a sua solidão com o desejo de conexões genuínas. “Lost in Translation” retrata duas almas perdidas em Tóquio, encontrando conforto mútuo na solidão partilhada. Em “The Virgin Suicides”, o isolamento e o desejo de escapar são retratados através das irmãs Lisbon. Em todos, Coppola examina as nuances das relações humanas contra o pano de fundo da alienação e do isolamento.
