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«Marighella» – Wagner Moura faz sua revolução em filme sobre guerrilha brasileira

Após cancelarem a estreia no Brasil, que estava marcada para o dia 20 de Novembro, “Marighella” ganha sessão única durante o Lisbon & Sintra Film Festival neste domingo (17), em Lisboa, com a presença do realizador Wagner Moura e do co-roteirista Felipe Braga. O filme, que já passou por alguns festivais do mundo, como os de Berlim, Hong Kong e Istambul, ainda não tem nova data para entrar em cartaz exactamente no país que mais merece vê-lo.

Actor que ficou famoso pelos personagens Capitão Nascimento (“Tropa de Elite”) e Pablo Escobar (“Narcos”), o baiano Wagner Moura, de 43 anos, escolheu um tema nada fácil para seu primeiro trabalho como realizador. Moura faz sua revolução ao tentar lançar um filme sobre Carlos Marighella, o “inimigo público nº 1” da ditadura militar brasileira em pleno governo de Jair Bolsonaro, que chamou de “herói nacional” o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, primeiro oficial condenado em acção declaratória por sequestro e tortura.

Ao inspirar-se no livro “Marighella – O Guerrilheiro Que Incendiou o Mundo”, de Mário Magalhães, e no documentário homónimo “Marighella” (2012), de Isa Grinspum Ferraz, Wagner mostra os últimos cinco anos de vida do ex-deputado, poeta e guerrilheiro brasileiro. Carlos Marighella foi assassinado pela polícia em 4 de Novembro de 1969, numa emboscada no centro de São Paulo (SP).

O também baiano Marighella era um militante marxista mesmo antes do golpe de 1964, que deu início a 21 anos de ditadura militar no Brasil. O filme começa com o assalto a um trem em 1968, quando Marighella (Seu Jorge numa actuação extraordinária) e seus companheiros (interpretados pelos óptimos Luiz Carlos Vasconcelos, Bella Camero, Humberto Carrão) roubam armas e garantem aos passageiros que são defensores do povo. Tudo isso ao som de “Banditismo por uma questão de classe”, primeira faixa do álbum “Da Lama ao Caos” (1994), de Chico Science e Nação Zumbi.

Após essa abertura que o exalta como um líder e guerreiro, o realizador corta para um flashback no qual Marighella ensina seu filho Carlinhos a nadar no mar. Essa é uma despedida carinhosa antes de enviar o garoto para viver com mais segurança com sua mãe em Salvador. Por causa dos quase 40 anos em que teve que viver na clandestinidade, Marighella só conheceu o Carlinhos aos sete anos de idade. Ele é fruto do breve casamento com Elza Sento Sé (interpretada por Maria Marighella, actriz, activista e filha do próprio Carlinhos).

A dificuldade de manter-se conectado com o filho e os constrangimentos que Carlinhos sofreu por não ter pai (nem na certidão de nascimento o nome podia constar) estão presentes no filme.

Essa dualidade do guerrilheiro “terrorista” (como diziam os cartazes espalhados pelos militares) com o homem “carinhoso e brincalhão”, como Marighella é descrito pela própria sobrinha Isa Grinspum Ferraz, é o que guiará a longa-metragem de 2h35min. A interpretação de Seu Jorge evidencia esse traço leve e carismático do guerrilheiro. Numa cena marcante, Marighella ouve uma famosa música de Dorival Caymmi na rádio do carro e canta junto: “Eu não tenho onde morar / é por isso que eu moro na areia”. Momentos como esse aliviam a tensão.

O que fica um pouco de fora da trama – e até mesmo daria outro filme – é a história de amor dele com a militante comunista, feminista e guerrilheira Clara Charf (hoje com 94 anos). Apesar de sua importância, são apenas alguns trechos que mostram como Clara (Adriana Esteves) ficou preocupada quando Marighella saiu do Partido Comunista Brasileiro e criou a Ação Libertadora Nacional. O objectivo da ALN era o aniquilamento imediato do regime militar por meio da luta armada como acção política (“olho por olho” era o lema).

No filme, quem irá obcecadamente atrás de Marighella é o inspector-chefe Lúcio (Bruno Gagliasso), um torturador e executor sádico provavelmente inspirado no delegado Sérgio Paranhos Fleury. O governo norte-americano aparece sob a forma de um agente tosco da CIA no Brasil (Charles Paraventi) que obriga os militares a usarem de tudo para “eliminar a ameaça comunista”.

Mesmo quando praticamente todos os militantes foram torturados e/ou mortos pela repressão, o filme de Wagner Moura mostra que o sonho da resistência continuou vivo no país. Não revelarei detalhes das cenas finais, que ficam mais emocionantes, mas deixo a dica para quem ainda não ouviu ou não prestou atenção à letra de “Mil Faces de Um Homem Leal (Marighella)”, do Racionais Mc’s, que diz: “Revolução no Brasil tem um nome…”.

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