Morreu nesta terça-feira (02), em Los Angeles, aos 65 anos, o actor norte-americano Val Kilmer.
Lembrado pela sua beleza, discrição e talento, Kilmer ficou imortalizado pelo seu papel em “Top Gun” (1986), de Tony Scott, por dar vida ao lendário roqueiro Jim Morrison, líder dos The Doors, em “The Doors” (1991), de Oliver Stone, e por suceder Michael Keaton como o bilionário Bruce Wayne e o seu alter ego, Batman, em “Batman Para Sempre” (1995), de Joel Schumacher.
Para além destes papéis, a sua versatilidade e aura enigmática consagraram-no como um dos mais notáveis secundários do cinema.
Segundo a sua filha, Mercedes, a causa da morte foi pneumonia. Kilmer foi diagnosticado com cancro da garganta em 2014, mas conseguiu recuperar-se.
Vida pregressa
Val Edward Kilmer nasceu em Los Angeles a 31 de Dezembro de 1959 e cresceu em Chatsworth, no extremo noroeste da cidade, onde teve como vizinhos Roy Rogers e Dale Evans e como colegas de escola Kevin Spacey e Mare Winningham.
Filho de Eugene Kilmer, promotor imobiliário, e Gladys Ekstadt, viu os pais separarem-se quando tinha apenas 9 anos. Aos 17, sofreu uma perda trágica com a morte do irmão mais novo, Wesley, que se afogou numa piscina – um episódio que o marcaria para sempre.
Desde cedo, Kilmer demonstrou talento para a interpretação e ingressou na prestigiada Juilliard School, em Nova Iorque, tornando-se um dos alunos mais jovens a serem admitidos no programa de teatro. Durante esse período, escreveu e actuou na peça “How It All Began”, baseada na autobiografia do guerrilheiro urbano alemão Michael Baumann, que chegou a ser encenada profissionalmente no Public Theater, em 1981.
A sua estreia na Broadway deu-se em 1983, com “The Slab Boys”, de John Byrne, onde contracenou com Sean Penn e Kevin Bacon. Nos anos seguintes, explorou o teatro clássico, interpretando Hamlet no Colorado Shakespeare Festival, em 1988, e, mais tarde, o personagem Giovanni, ao lado de Jeanne Tripplehorn, numa montagem do Public Theater da tragédia jacobina “Tis Pity She’s a Whore”, dirigida por JoAnne Akalaitis, em 1992.
Da Broadway a Hollywood
Com a aparência de uma autêntica estrela do rock, Val Kilmer foi, nos primeiros anos da sua carreira, escolhido algumas vezes para papéis de músicos, numa fase em que parecia destinado a conquistar os sucessos de bilheteira.
A sua estreia no cinema deu-se com “Ultra Secreto” (1984), de David Zucker, Jim Abrahams e Jerry Zucker, uma paródia surreal dos filmes de espionagem da Guerra Fria, onde interpretou um cantor americano que, sem querer, se vê envolvido numa conspiração da Alemanha Oriental para a reunificação do país.
No entanto, a sua trajectória rapidamente tomou um rumo mais amplo. Em 1986, Tony Scott escalou-o para “Top Gun”, um dos filmes mais icónicos da década, onde Kilmer interpretou Iceman, o confiante e impetuoso rival de Maverick (Tom Cruise). O sucesso do filme consolidou-o como um actor de grande impacto, abrindo portas para uma série de papéis como co-protagonista ou parte de elencos de luxo.
A sua interpretação de Jim Morrison em “The Doors” (1991), de Oliver Stone, tornou-se um dos pontos altos da sua carreira. Com um desempenho intenso e estilizado, Kilmer capturou a essência do vocalista dos The Doors, num papel que exigiu não apenas presença de palco, mas também uma entrega completa à personalidade enigmática de Morrison.
Já em “True Romance” (1993), um filme escrito por Quentin Tarantino e realizado por Tony Scott, assumiu um papel inusitado: o de um Elvis Presley imaginário, que serve de conselheiro ao protagonista, vivido por Christian Slater.
Entre os seus trabalhos como protagonista, destacam-se “Thunderheart” (1992), de Michael Apted, onde interpretou um agente do FBI destacado para investigar um crime numa reserva indígena, e “The Saint” (1997), de Phillip Noyce, um thriller de acção onde deu vida a um mestre do disfarce envolvido num perigoso jogo com a máfia russa.
Batman
Embora não seja o Batman mais lembrado, Val Kilmer trouxe ao herói um charme distinto, posicionando-se entre a intensidade sombria de Michael Keaton e a abordagem mais duvidosa de George Clooney. O seu Bruce Wayne exalava sofisticação, enquanto o seu Homem-Morcego equilibrava mistério e carisma, tornando-o, para muitos, uma escolha subestimada.
A sua passagem pelo papel deu-se em “Batman Para Sempre” (1995), de Joel Schumacher, um filme que marcou uma guinada na franquia. Com um tom mais colorido e acessível, a Warner Bros. procurava afastar-se da atmosfera sombria de “Batman Regressa” (1992), de Tim Burton, que fora considerada demasiado violenta.
Todavia, a produção não foi tranquila: Kilmer assumiu o papel após uma longa busca por um protagonista e teve desentendimentos frequentes com Schumacher e a equipa.
Apesar das críticas divididas, “Batman Para Sempre” conquistou o público, arrecadando mais de 336 milhões de dólares globalmente e tornando-se o segundo maior sucesso de bilheteira de 1995.
Um secundário notável
Após dar vida a Bruce Wayne, Kilmer juntou-se a uma gangue de assaltantes em “Heat” (1995), um thriller urbano contemporâneo inspirado no espírito de High Noon. No ano seguinte, dividiu a tela com Michael Douglas em “The Ghost and the Darkness” (1996), de Stephen Hopkins, uma aventura baseada em factos reais sobre a caça a leões assassinos na África do final do século XIX.
Em “Pollock” (2000), protagonizado e realizado por Ed Harris no papel do pintor Jackson Pollock, Kilmer interpretou Willem de Kooning, um dos grandes nomes do expressionismo abstrato. Mais tarde, voltou ao épico histórico ao encarnar Filipe da Macedónia, pai de Alexandre, o Grande (Colin Farrell), em “Alexandre” (2004), de Oliver Stone.
Outros créditos
Outros papéis marcantes na filmografia de Kilmer incluem “A Ilha do Dr. Moreau” (1996), de John Frankenheimer e Paul Rubell, uma adaptação do clássico de H.G. Wells na qual contracenou com o lendário Marlon Brando, num filme que se tornou notório pelos bastidores caóticos; “Wonderland” (2003), de James Cox, um thriller baseado em um crime real, no qual interpretou o controverso astro pornô John Holmes; e “Twixt” (2011), de Francis Ford Coppola, onde viveu um escritor de terror que se vê envolvido numa investigação sobre assassinatos numa cidade enigmática.
Em 2014, Kilmer deu vida a Mark Twain numa adaptação cinematográfica de “Tom Sawyer & Huckleberry Finn”. Além disso, planeava dirigir e protagonizar um filme de sua autoria sobre Twain e Mary Baker Eddy, fundadora da Ciência Cristã, frequentemente alvo de críticas do escritor. Curiosamente, Kilmer era adepto dessa fé.