Apaixonar-se é sempre um ponto de viragem — e, na adolescência, essa curva emocional parece mais acentuada. Tudo ganha uma dimensão nova, intensa, desproporcional. O corpo não acompanha o turbilhão que se forma dentro. E se já é difícil para jovens heterossexuais, imagina para um rapaz gay, vivendo nos anos 70, numa cidadezinha litorânea da Bélgica.
É nesse cenário que “Noordzee, Texas” nos convida a mergulhar. Primeiro longa-metragem de Bavo Defurne, cineasta belga com trajectória no cinema queer europeu, o filme é uma adaptação do romance “Nooit gaat dit over” de André Sollie. E que estreia sensível e honesta.
A história gira em torno de Pim, interpretado por Jelle Florizoone, um adolescente introspectivo que vive com a mãe, Yvette (Eva Van Der Gucht) — uma mulher boémia, emocionalmente ausente e instável, que sonha com uma vida melhor, mas não consegue oferecer presença ou estrutura ao filho. O mundo de Pim é feito de silêncios, desejos contidos, coleções de recortes e olhares escondidos.
É na figura de Gino (Mathias Vergels), o vizinho mais velho e confidente, que ele deposita todos os seus sonhos de amor. Mas Gino é inconstante. Está entre o afeto genuíno e o medo da rejeição, entre a curiosidade e a repressão. Ele sente algo, mas não o suficiente. E o filme não o julga — apenas o mostra, com todas as suas hesitações.
O cinema de Defurne é quase pictórico. Com uma estética que remete às fotografias de Nan Goldin ou aos quadros de Johannes Vermeer, cada enquadramento parece cuidadosamente composto: a luz natural, os tons pastel, os objectos vintage, a areia fria da praia do Mar do Norte. Tudo transmite uma sensação de nostalgia. Uma beleza silenciosa, que combina perfeitamente com o que o filme quer dizer: o amor pode ser belo mesmo quando dói.
E como dói.
A delicadeza de “Noordzee, Texas” está também na forma como trata o desejo. Não há pressa, não há exposição gratuita. As cenas íntimas são sugeridas, filmadas com pudor e ternura, como se a câmara respeitasse o tempo dos corpos. Há uma cena, em particular, que traduz isso: Pim encosta a cabeça no ombro de Gino e fecha os olhos. Não se diz nada, mas tudo está ali. A entrega. A dúvida. O medo. A vontade de ficar.
Ao longo dos seus 98 minutos, o filme oferece uma paleta de sentimentos que só quem já amou demais consegue reconhecer: a idealização, a rejeição, a autossabotagem, a esperança insistente. E, acima de tudo, aquela vontade absurda de ser escolhido — não por piedade, mas por amor.
Pim quer ser amado. Quer ser visto. Quer pertencer. E não encontra isso em parte alguma. Nem na mãe, nem em Gino, nem no sedutor Zoltan (Thomas Coumans), que representa a promessa de um amor adulto, mas talvez ainda mais superficial. Apenas Sabrina (Nina Marie Kortekaas), irmã de Gino, parece oferecer-lhe uma amizade genuína. Mas Pim não pode retribuir o que ela sente. E é nesse nó que o filme resplandece: mostra-nos que o afecto, por si só, nem sempre basta para resolver tudo.
Em muitos momentos, “Noordzee, Texas” lembra que o cinema pode ser um espelho, mas também um abraço. Quem já viveu algo parecido com Pim reconhece os gestos, as dúvidas, os silêncios. Quem ainda não viveu, talvez entenda um pouco mais a solidão de quem cresce desejando o que não pode nomear.
E se há algo que o filme nos ensina, é isto: nem sempre o primeiro amor é correspondido. Nem sempre perdura. Mas deixa marca. Molda-nos. Inicia-nos nesse jogo arriscado de abrir o coração.
Se eu pudesse dizer algo ao Pim, seria: não te anules. Não te contentes com migalhas. Não te deixes convencer de que és difícil de amar. A culpa não é tua. O problema nunca é amar demais — é amar quem não está pronto para te receber.
Gino não será o último. E, com sorte, nem será o que mais te marcou.
No fundo, a produção é uma carta de amor ao amor — mesmo aquele que não deu certo. E isso, por si só, já vale o risco. Porque amar é perder o controle, é sofrer, sim… mas é também encontrar, em algum momento, alguém que fique.
E, até lá, fica tu contigo mesmo. Aprende a gostar da tua companhia. Porque só quem se ama inteiro consegue, um dia, amar de verdade.
O filme está disponível [aqui].