Na obra “O Velho e o Mar”, Hemingway ficciona sobre um velho pescador que não pode largar a linha que o prende ao espadarte que o define enquanto pessoa, luta essa que o vai levar ao limite da sua vida. Assim o título em inglês de “O Cavalheiro com Arma” (“The Old Man & The Gun”), de David Lowery, lança a teia do enredo para Robert Redford brilhar e despedir-se da sétima arte com a simplicidade serena que marcou a sua carreira, criando um paralelo com a sua personagem, um verídico Forrest Tucker, assaltante de profissão com um historial de fugas fabulosas de penitenciárias e um sorriso nos lábios enquanto o faz.
Para além da história, baseada num artigo de David Grann publicado na revista New Yorker sobre esta personagem, há claramente uma escolha muito deliberada em unir o conteúdo e o continente, através da relação de Robert Redford com a história do cinema, inclusive através do uso de imagens dele enquanto jovem em outros filmes e o seu sucesso nesta arte, da mesma forma que Tucker tem uma relação quase fraternal e fatalista com a sua ação criminosa.
O filme imprime um estilo vintage dos anos 80 para tentar dessa forma captar uma áurea dourada de uma memória perdida de um tempo em que o mundo parecia mais simples, em que os criminosos ainda se confundiam com os antigos Robins dos Bosques e em que os agentes da lei perseguiam mentes e não aprisionavam indivíduos. Há um trabalho de montagem e de fotografia com o uso do grão, de um esbatimento da cor e da composição de cenas tipicamente antigas, com perseguições de carros pausadas e grandes planos, para extrair o máximo de psicologia dos protagonistas e criar a suprema empatia com este fora da lei e com este agente da lei, representado por Casey Affleck, que nunca se revela obcecado pela captura deste velho profissional do logro.
Desde o título que David Lowery cria uma tensão entre o bem e o mal, entre um yin e um yang que convivem em harmonia desde que não se cruze o húbris da agressão e da violência. Transparece uma sensação de elástico que une o criminoso ao polícia; o assaltante remediado que rouba bancos ricos e gestores anafados, ao cidadão comum que tenta aproveitar a vida o melhor que consegue. O oximoro do sorriso com que se assalta o banco com o nervosismo contido da caixa que coloca as notas na mala, o potencial violento do revólver que provavelmente nunca foi disparado com a leveza gentil da pele enrugada de um avozinho. No final, a totalidade é o que permanece, foi o cinema que precisou do Robert Redford ou foi ele que precisou da sétima arte? Forrest Tucker parece não conseguir deixar a sua atividade marginal, porque é a sua essência e a isso não se escapa.
Tempos mais simples, histórias bem contadas e um ator que nasceu para dar vida a outros seres.
Realização: David Lowery
Argumento: David Lowery
Elenco: Robert Redford, Sissy Spacek, Casey Affleck
EUA/2018 – Drama/Comédia
Sinopse: Este que é provavelmente o último filme do mítico ator Robert Redford é baseado numa história tão entusiasmante como verdadeira: a da audaciosa fuga de Forrest Tucker da famigerada cadeia norte-americana de San Quentin aos 70 anos de idade. Tucker foi autor de uma série de golpes que confundiram as autoridades e fascinaram o público.