O Teste do Tempo

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O que é um clássico? Uma pesquisa lexical sugere “clássico” na classe gramatical de substantivo masculino com a definição de autor ou obra cujo valor é reconhecido por todos ou como adjetivo significandoalgo que corresponda a padrões perfeitos e intemporais numa determinada época. Para C. S. Lewis um clássico é algo completamente insubstituível, no sentido em que nenhuma outra obra a conseguirá substituir ou fazer lembrar”. Escritores como T. S. Eliot dedicaram ensaios à procura da elucidação do que é um clássico, onde se pode destacar a ideia do poeta “Se há uma palavra onde nos podemos fixar para sugerir o máximo daquilo que eu quero dizer com o termo ‘clássico’, é a palavra ‘maturidade’.”.

Havendo uma ideia geral daquilo que é um clássico, poderá parecer mais significante para alguns saber como criar um. Esta segunda problemática, que será aqui abordada no âmbito cinematográfico, poderá ser formulada através de uma das seguintes questões: Qual a receita para a produção de um clássico? Que mistura de ingredientes e que quantidades de cada um poderão elevar uma obra à definição de clássico? Estará o segredo de um clássico na interpretação por parte dos atores, no argumento, na inovação na forma de filmar, em algum outro fator, numa combinação de todos os anteriores ou simplesmente em nenhum destes? Então a que conjunto bem definido de regras e parâmetros se poderá submeter um filme para se poder afirmar “Sim, é um clássico” ou alegar que um novo filme é (ou tornar-se-á) um clássico?

A quantidade (excessiva, dirão muitos) de perguntas deixadas sem resposta (pelo menos para já) serve pelo menos dois propósitos. Numa primeira instância, o de indicar a que níveis se poderá a presente temática considerar complexa e, portanto, merecedora de uma atenção mais aplicada. Por outro lado, a falta de conclusões alerta para isso mesmo, para a ausência de respostas objetivas à questão essencial. Contudo, não é por falta de conhecimento de causa ou efeito que o ser humano deixa de apresentar teses (ou até opiniões, quando pequem por falta de suporte argumentativo). São novas formas de olhar para o Mundo e a colocação de cenários “E se…” que, por vezes, permitem fazer avançar uma área do saber, ainda que sem fundamento aparente em bases sólidas. É nesse sentido que se pretende sugerir que a produção de qualquer obra, mais do que a fatores internos, estará sujeita a um agente externo para a sua categorização como clássico. Esse ingrediente secreto é: o tempo.

As comummente usadas expressões “o filme X envelheceu mal” ou “o filme Y sobrevive ainda ao teste do tempo” sugerem que a perceção relativamente a um filme é alterada com o passar do tempo. Da mesma forma, na literatura a aplicação da “regra dos 100 anos” decreta que um livro não poderá ser considerado como um clássico até que a sua relevância tenha persistido pelo menos ao longo de um século. As modas, quer se queira quer não, influenciam aquilo de que as pessoas terão mais preponderância para gostar, não é segredo nenhum e, desabafa-se, também não terá que ser desmoralizador. De certa forma, somos escravos daquilo que caracteriza o nosso tempo e daquilo que o distingue dos antecessores. O segredo para um clássico estará naquilo que é imutável de era para era e que só o tempo consegue denunciar.

Um clássico será, nesse sentido, uma obra que consiga transcender gerações e geografias. Não significa que as suas ideias se mantenham atuais ou que a sua tecnologia seja ainda equiparável à dos meios contemporâneos. Mas há qualquer coisa neles de indefinível, algo de intemporal que só se revela após uma fase de fermentação e de novas experiências da obra. São trabalhos em que sobressai uma capacidade de serem continuamente reinterpretados e reaplicados a novas eras. Não haverá sentimento mais orgulhoso do que aquele de fazer parte de um grupo de pessoas num número tão distinto de locais e tempos que já experienciaram uma obra singular onde o sentido de permanência ainda se mantenha. É uma das boas razões (entre outras) pelas quais os prémios de cinema podem ser considerados miópicos e premiadores de paixão. Só o tempo terá a maturidade (a tal palavra referida por Eliot) e magia suficientes para a transformar em amor. A ideia do teste do tempo, se seguida à risca, rejeitará “clássicos instantâneos”. Para estes, uma fase de estágio será necessária para se juntarem ao Olimpo do cinema. Qual o prazo requerido, só o tempo o dirá.

Diz-se que o tempo cura tudo, que o tempo é mudo, que o tempo tudo descobre, que o tempo é um provérbio pobre, que o tempo traz e leva, que tempo perdido não se recupera, que o tempo não espera por ninguém, que atrás do tempo tempo vem, que com tempo tudo se alcançará, que tempo que foi não voltará. Ir-se-á mais longe nos anexins e dir-se-á: é preciso dar tempo ao tempo.

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