O cineasta João Botelho regressa aos cinemas, depois do sucesso de “Filme do Desassossego” (2010), com uma nova obra que adapta um outro clássico da literatura portuguesa, “Os Maias – Alguns Episódios da Vida Romântica”, o romance de Eça de Queiroz.
Tendo em conta o panorama cinematográfico português deste ano, com poucas estreias e de escassa qualidade, “Os Maias” revelaram-se uma boa surpresa para o cinema português. São uma nova frescura para a produção cinematográfica deste ano, que já caminha para o fim. Ou talvez nem seja uma surpresa, visto que do Botelho não se esperaria outra coisa.
O João Botelho não se limita a adaptar para o cinema a obra de Eça. Ele dá uma nova roupagem a “Os Maias”, mais moderna e inteligente. Se o livro “Os Maias” ainda hoje se mantém atual, também o filme, pela sua perspicaz e sublime realização. Botelho de forma moderna filmou este livro, mas não o faz de forma literal. Ele vai à essência do livro e transporta tudo para um teatro, porque todas aquelas personagens usam máscaras. O realizador introduz o espectador num estúdio de cinema, onde vemos pequenas maquetas dos cenários do filme, apresenta grande parte do elenco com as fotografias dos atores e outros elementos de cinema, como o argumento do filme. As maquetas que vimos no inicio passam a tamanho real e o filme passa a ter maravilhosos cenários, pintados à mão, como se fossem telas gigantes. Sabemos assim que tudo é uma representação. Um espelho do Portugal de ontem para o Portugal de hoje.
A história, que todos os portugueses conhecem, é séria e as mensagens de crítica social e política são evidentes. O Portugal do século XIX continua muito parecido com o do século XXI. Estes episódios da vida romântica são no fundo uma crónica de costumes, de uma sociedade passiva, representados por uma classe social corrupta e sedenta de interesses mesquinhos, onde poucos acreditam em qualquer ideal que seja. O humor, por vezes melancólico, de Eça em personagens como João da Ega (o fiel amigo de Carlos da Maia) está bem implementado no filme e é um dos trunfos do realizador ao ter escolhido, e bem, o ator Pedro Inês para representar esta fantástica personagem.
Nesta versão de duas horas, Botelho não se foca tanto no romance central do livro, o romance entre Carlos e Maria, estando muito cortado, resumido. Talvez na versão mais longa, de três horas, o realizador tenha deixado que essa intriga, o romance, seja mais fluido e o principal foque do enredo.
O filme apresenta um conjunto de emblemáticos atores, sendo também esta uma das principais qualidades do filme, o seu elenco. Para além dos cerca de mil figurantes, conta com Graciano Dias (Carlos da Maia), Maria Flor (Maria Eduarda da Maia), Pedro Inês (João da Ega), Maria João Pinho (Condessa de Gouvarinho), Marcello Urgeghe (Craft), Filipe Vargas (Manuel Vilaça), Pedro Lacerda (Tomás Alencar), Hugo Mestre Amaro (Dâmaso Salcede), João Perry (Afonso da Maia), Adriano Luz (Conde de Gouvarinho), entre outros. A nível técnico é extraordinário, com uma maravilhosa fotografia e um bom som.
O destino da família Maia é o mesmo que o de Portugal. Continuamos a correr atrás do americano (o elétrico). No geral, a obra de Botelho faz justiça à obra de Eça. É um filme interessante a não perder, e é português!
Realização: João Botelho
Argumento: João Botelho
Elenco: Graciano Dias, Maria Flor, Pedro Inês, Filipe Vargas, Pedro Lacerda, Hugo Mestre Amaro, João Perry, Laura Soveral, Rita Blanco, Adriano Luz, Maya Booth, Catarina Wallenstein, Ana Moreira
Portugal/2014 – Drama
Sinopse: Entre Afonso da Maia e o seu neto Carlos, constrói-se o último laço forte da velha família Maia. Formado em medicina na Universidade de Coimbra e posteriormente educado numa longa viagem pela Europa, Carlos da Maia regressa a Lisboa no Outono de 1875, para grande alegria do avô. Nos catorze meses seguintes, nasce, cresce e morre a comédia e a tragédia de Carlos como a tragédia e a comédia de Portugal. A vida ociosa do médico aristocrata, invariavelmente acompanhado pelo seu par amigo, o génio da escrita e de obras “inacabadas”, o manipulador João da Ega, leva-o a ter amigos, a ter amantes e ao dolce fare niente, cheio de convicções. Até que se apaixona de verdade por uma mulher tão bela como uma madona e tão cheia de mistérios, como as heroínas da estética naturalista. Um personagem novo num romance esteticamente revolucionário. A vertigem: paixão louca para lá dos negrumes do passado, um novo e mais negro precipício, o incesto. Mesmo sabendo que Maria Eduarda é a irmã a paixão de Carlos não morre e vai ao limite. E depois termina abruptamente porque o velho Afonso da Maia morre para expiar o pecado terrível do seu neto, neto que era a razão da sua existência. E então em vez da morte do herói, nova invenção de Eça. Carlos e Ega partem para uma longa viagem de ócio e de pequenos prazeres. Dez anos depois, voltam a encontrar-se em Lisboa tão diferente e tão igual, a capital de um pais a caminho da bancarrota.