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“Pedágio” – O que uma mãe faz por um filho

"Pedágio" (2023), de Carolina Markowicz "Pedágio" (2023), de Carolina Markowicz
"Pedágio" (2023), de Carolina Markowicz

Em pleno Mês do Orgulho LGBTQIA+, estreia “Pedágio”, a segunda longa-metragem de Carolina Markowicz. Este filme aborda a questão das terapias de conversão de uma forma tão real e crua que nos destrói de uma forma transparente e sem filtros, mas também sem recorrer a qualquer forma de violência gráfica.

Num ambiente inóspito, poluído e rural de uma cidade do Brasil, que quase parece saído de uma obra de ficção científica ou de Lynch, Markowicz traz-nos a história de uma mãe, Suellen, interpretada por Maeve Jinkings, que confronta o seu próprio conservadorismo ao forçar o filho, “Tiquinho”, interpretado por Kauan Alvarenga, a frequentar aulas de terapias de conversão para “deixar de ser gay”. Estas sessões, lecionadas pelo pastor Isaac Graça, transportam uma leve ironia, que mistura várias ideias dos atuais life coaches, e que se tornam elas próprias violências pessoais.

As personagens parecem tão distantes, reforçadas pela inospitalidade do ambiente, mas “Pedágio” é, efetivamente, uma obra que capta a essência mais real das pessoas – a complexidade e ambiguidade das relações e comportamentos humanos. O que torna este filme especialmente rico é a sua capacidade de nos transportar para a realidade, mantendo-nos a uma certa distância, sem gerar empatia ou desprezo por qualquer personagem em particular e por todas ao mesmo tempo.

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“Aquela mulher não é uma mulher má, é uma mulher que é um produto de uma sociedade que ensinou para ela que ela fez algo de errado em educar um filho daquela maneira. Ela sofre incidências de conservadorismo, da moral, da religião, que fizeram com que ela acreditasse que não desempenhou um bom papel de mãe. Vilanizar afasta um pouco as pessoas. Ninguém se vê como um vilão (…) O intuito nunca foi virar o holofote para uma suposta vitimização do filho em detrimento da vilanização da mãe, essa nunca foi a ideia, mas sim de se identificar também com a mãe de um filho adolescente chato” – Carolina Markowicz entrevistada por mim e João Alves, Bons Malandros, no cinema Fernando Lopes, na pré-estreia do filme.

Esta transparência e compromisso com a realidade, e afastamento da vilanização e vitimização, manifestam-se na profundidade destas personagens e nas suas atitudes – na relação entre mãe e filho, nas questões religiosas, de classe social, comportamento e na atitude egoísta mas inconsciente que Suellen faz, ao colocar-se numa situação de risco com um final trágico, tudo por fazer o que acha melhor para o seu filho, ou pela pressão que sofre ao sentir que criou um filho de uma forma errada, sozinha. São todas estas pressões e camadas que completam a realidade despretensiosa do filme.

Destacando-se pela fuligem e a sujidade de uma cidade que transporta em si a transparência, os erros, os conflitos e os pecados das pessoas que a habitam, “Pedágio” é um retrato honesto e descomprometido da complexidade da natureza humana, levando-nos a enfrentar e a refletir sobre a diversidade e os conflitos internos das pessoas, sem as vilanizar ou vitimizar.

"Pedágio" (2023), de Carolina Markowicz
“Pedágio” – O que uma mãe faz por um filho
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4.5