Apesar de o espanhol ter dominado os microfones, foi o Brasil quem roubou os aplausos na 12.ª edição dos Prémios Platino, realizada neste domingo (27), no Palácio Municipal IFEMA.
Como já se intuía, “Ainda Estou Aqui” foi o grande consagrado da noite — um triunfo anunciado, mas ainda assim emocionante. O filme que recentemente deu ao Brasil o seu primeiro Óscar conquistou todos os três galardões a que concorria: Melhor Filme, Melhor Realização e Melhor Atriz.
Ao subir ao palco, o produtor Rodrigo Teixeira fez-se ouvir num portunhol espontâneo e emotivo, apelando à coesão entre os países da região:
“O mais importante é que todos nós, latino-americanos e ibero-americanos, trabalhemos em bloco. O nosso cinema e a nossa televisão são muito maiores do que aquilo que se imagina nos Estados Unidos. Este é um prémio para todos os países da América Latina, não só para o Brasil. Todos lutamos muito por este reconhecimento.”
Antes, Teixeira já havia lido um discurso enviado por Walter Salles, distinguido com o prémio de Melhor Realização. O troféu foi-lhe entregue por Karla Sofía Gascón, protagonista do polémico “Emilia Pérez”, do francês Jacques Audiard.
Na mensagem, Salles dedicou o prémio a Carlos Diegues, falecido em Fevereiro, sublinhando o seu papel basilar no Cinema Novo e a sua visão democrática da arte.
“Gostaria de dedicar este prémio a um mestre que há pouco nos deixou: Carlos Diegues, realizador de filmes fundamentais como Bye Bye Brasil, fundador do Cinema Novo e um dos cineastas que mais profundamente pensou o cinema de forma democrática e inclusiva. Carlos era um admirador do cinema latino-americano e foi essencial para que obras como a nossa pudessem aqui chegar. Num momento de fragilidade da democracia à escala mundial, num tempo em que se tenta apagar a memória colectiva, pensadores como Carlos Diegues recordam-nos quão essencial é o cinema na luta contra o esquecimento”, escreveu Salles.
Na plateia, Renata Magalhães — viúva do cineasta e presidente da Academia Brasileira de Cinema — acompanhava a homenagem.
A mensagem de Fernanda
Coube a Valentina Herszage, intérprete de Veroca em “Ainda Estou Aqui”, a leitura da mensagem de Fernanda Torres, distinguida com o Prémio Platino de Melhor Actriz.
“Sou filha da cultura ibero-americana. A Península Ibérica é a minha segunda casa”, afirmou Fernanda, numa declaração marcada pelo afecto e pelo reconhecimento.
Prosseguiu: “Este prémio reforça o orgulho que tenho em pertencer a uma tradição que ofereceu ao mundo criadores como Buñuel, Almodóvar, Iñárritu, Cuarón, Darín, Penélope Cruz, Javier Bardem, Glauber Rocha e Fernanda Montenegro”.
Num tom intimista, a actriz dirigiu-se ao elenco como a uma família: “Este filme, sobre uma família, foi feito por uma família de artistas. Recebo esta distinção pelas mãos de Valentina, minha filha na ficção, que nesta noite representa todos os que me acompanharam — Selton, Luisa, Bárbara, Guilherme e Cora. Sem eles, Eunice não teria existido”.
Na parte final, exaltou o realizador Walter Salles e recordou o gesto de resistência que o filme representa: “Walter é o coração desta obra rara, delicada, profundamente humana. Através de Eunice Paiva, revivi o trauma da ditadura, que conheci em criança. Esta mulher admirável ensina-nos que a alegria também pode ser um acto de resistência. Em nome da família Paiva, de Marcelo Paiva e de todos os que lutaram — e continuam a lutar — pela democracia e pela arte, repito: ditadura, nunca mais.”
Ainda Estou Aqui
O filme, ambientado no Brasil na década de 1970, retrata um país em plena crise, cada vez mais controlado pela repressão da ditadura militar. Baseado nas memórias de Marcelo Rubens Paiva, a trama mergulha na dura realidade da família Paiva.
A viver numa casa à beira-mar, a família mantém as suas portas sempre abertas aos amigos. O carinho e o humor que partilham entre si tornam-se formas subtis de resistência à opressão que domina o país.
Contudo, essa harmonia familiar é quebrada por um acto violento e sem justificação, que alterará os seus destinos para sempre. Após o sequestro de Rubens pela Polícia Militar, que o faz desaparecer sob a sua custódia, Eunice vê-se obrigada a se reinventar e a procurar um novo caminho para ela e para os filhos.
Vencedores da 12.ª edição dos Prémios Platino no âmbito do Cinema:
Melhor Filme
Ainda Estou Aqui (Brasil)
Melhor Realização
Walter Salles (Ainda Estou Aqui, Brasil)
Melhor Argumento
Arantxa Echevarría e Amelia Mora (La Infiltrada, Espanha)
Melhor Atriz
Fernanda Torres (Ainda Estou Aqui, Brasil)
Melhor Atriz Secundária
Clara Segura (El 47, Espanha)
Melhor Ator
Eduard Fernández (Marco, Espanha)
Melhor Ator Secundário
Daniel Fanego (El Jockey, Argentina)
Melhor Direção de Fotografia
Edu Grau (O Quarto ao Lado, Espanha)
Melhor Comédia Ibero-americana de Ficção
Dormindo com o Teu Ídolo, de Teresa Bellón e César F. Calvillo (México)
Melhor Primeira Obra de Ficção
El Ladrón de Perros, de Vinko Tomicic (Bolívia)
Melhor Filme de Animação
Mariposas Negras, de David Baute (Espanha)
Melhor Direção de Som
Diana Sagristà, Alejandro Castillo, Eva Valiño e Antonin Dalmasso (Segundo Premio, Espanha)
Melhor Direção de Arte
Eugenio Caballero e Carlos Y. Jacques (Pedro Páramo, México)
Melhor Música Original
Alberto Iglesias (O Quarto ao Lado, Espanha)
Melhor Documentário
El Eco, de Tatiana Huezo (México)
Melhor Montagem
Victoria Lammers (La Infiltrada, Espanha)