Prémios Sophia 2025: "Grand Tour", de Miguel Gomes, domina a noite

A 14.ª edição dos Prémios Sophia — frequentemente apelidados de “Óscares portugueses” — teve lugar este domingo (27), no Casino Estoril, numa cerimónia sob o lema “O Cinema é Paixão” e apresentada por Margarida Vila-Nova e Pedro Miguel Ribeiro. Ao todo, “Grand Tour”, de Miguel Gomes, conquistou três estatuetas: Melhor Filme, Melhor Realização e Melhor Montagem, entre as onze nomeações que reunia.

Miguel Gomes já havia deixado marca em Cannes, em maio do ano passado, ao vencer o prémio de Melhor Realização com este mesmo filme. Agora, em solo nacional, a consagração completa-se com um título que cruza geografia, tempo e afecto.

Inspirado livremente numa obra de Somerset Maugham, “Grand Tour” leva-nos ao Oriente no ano de 1918, em plena decadência imperial. Edward (interpretado por Gonçalo Waddington), funcionário do império britânico, foge da sua própria história: abandona a noiva Molly no dia do casamento e parte sozinho para uma travessia asiática que é tanto física como interior. Mas Molly (Crista Alfaiate) recusa o papel da noiva deixada para trás e embarca numa perseguição sensível, persistente, através das mesmas paisagens.

Na cerimónia, porém, nem Gomes nem vários dos premiados estiveram presentes. O realizador encontra-se no Brasil a trabalhar num novo projecto. Coube à produtora Filipa Reis subir ao palco para ler os agradecimentos e deixar, também, recados claros e firmes ao poder político.

Num discurso directo, defendeu o cinema português, pediu o reforço dos mecanismos de apoio financeiro, alertou para os constantes atrasos do ICA — “que não prejudiquem os próximos anos” — e apelou à RTP que “não desista do cinema português”.

E, por fim, um apelo ao futuro: “Que o próximo governo não se esqueça da importância do Fundo de Apoio ao Turismo e ao Cinema — para que os estrangeiros filmem as nossas paisagens, sim, mas sobretudo para que os nossos filmes possam mostrar ao mundo o que por cá se faz”.

Outros vencedores

Para além de “Grand Tour”, “O Pior Homem de Londres”, de Rodrigo Areias, brilhou na noite, levando quatro prémios: Melhor Ator para Albano Jerónimo, Direção de Arte, Guarda-Roupa e Maquilhagem e Cabelos.

Na parte da interpretação, Rita Cabaço levou para casa o prémio de Melhor Atriz Principal com a sua performance em “O Vento Assobiando nas Gruas”. Já nas categorias secundárias, Teresa Madruga e João Arrais foram premiados pelas suas interpretações em “O Teu Rosto Será o Último” e “Revolução (sem) Sangue”, respectivamente.

O aclamado “Percebes”, de Alexandra Ramires e Laura Gonçalves, conquistou o Sophia de Melhor Curta-Metragem de Animação. O prémio de Melhor Documentário foi para “Verdade ou Consequência”, de Sofia Marques, que faz uma homenagem ao percurso do encenador e ator Luís Miguel Cintra.

Cláudia Varejão também se destacou, recebendo o prémio pela sua curta-metragem documental “Kora”. “A Flor do Buriti”, de Renée Nader Messora e João Salaviza, também foi premiada, levando os prémios de Melhor Som e Melhor Argumento Original.

Sophia Estudante

O prémio Sophia Estudante foi este ano atribuído à curta-metragem documental “Rogéria”, realizada por Salvador Gil. Ao receber a distinção, o jovem cineasta celebrou a liberdade e prestou homenagem à comunidade cigana. O filme retrata a história de Rogéria Maia, mulher cigana que, ao longo da vida, enfrentou discriminação e soube resistir com coragem e dignidade.

Sophia Carreira

O produtor Paulo Branco, responsável por uma vasta filmografia que inclui colaborações com nomes como Manoel de Oliveira, Fernando Lopes, Wim Wenders e David Cronenberg, foi distinguido com o Prémio Sophia de Carreira pela Academia Portuguesa de Cinema.

Ao subir ao palco, o produtor de 74 anos mostrou-se comovido e reflexivo:

“Um produtor não é mais do que um veículo, alguém que torna realidade os sonhos dos outros. Só existo porque existiram todas essas personalidades absolutamente extraordinárias que quiseram trabalhar comigo: os grandes realizadores, os grandes atores e também, tantas vezes esquecidos, os técnicos que me acompanham desde o início — e muitos ainda continuam comigo.”

Branco admitiu o peso simbólico do reconhecimento:

“O Prémio Carreira é o último prémio que se gosta de receber, porque já estamos mais perto do fim do que estávamos quando começámos. Também não me vão aturar muito mais tempo, mas, entretanto, vou tentar ainda surpreender-me a mim mesmo e aprender a envelhecer.”

Num momento de honestidade íntima, partilhou:

“No meio destas loucuras, há sempre quem sofra — pessoas com quem fui injusto, pessoas a quem devia ter dado mais atenção, como os meus filhos e as mães deles, e muitos outros.”

Por fim, dedicou o prémio a duas perdas recentes que o marcaram profundamente:

“Criaram-me um vazio que não sei como compensar” — a sua filha mais velha, Mariana, e a sua irmã, a diretora de arte Maria José Branco.