“Querido Diário: Edição Cineclubes” é uma rubrica original dos criadores do Cinema 7ª Arte que remete o leitor para uma viagem de vespa por Portugal fora, numa demanda dos cineclubes ainda ativos. De cidade em cidade, iremos conhecer cada cineclube e os seus nativos que se esforçam por partilhar a paixão pela sétima arte.
Obrigado por nos receberem aqui em Viana do Castelo, considerada por muitos a cidade mais bela de Portugal. Conhecida pelas suas festas, romarias e gastronomia, receberam este ano o prémio internacional de “melhor cidade” pela sua “dinâmica do desenvolvimento da cidade”. O povo vianense sempre se interessou pela cultura, em particular pelo cinema.
A associação AO NORTE – Cineclube de Viana comemora em 2014 duas décadas de existência e conta com um excelente curriculo de actividades desenvolvidas na área do cinema e audiovisual na região.
Legenda: C7A – Cinema 7ª Arte / CCVC – Cineclube de Viana do Castelo
C7A: Como nasceu o cineclube de Viana?
CCVC: A Associação AO NORTE foi criada em dezembro de 1994 por um grupo de pessoas que já desenvolviam atividades de divulgação de cinema, em Viana do Castelo, desde a década de 80. O seu aparecimento foi ditado pela necessidade de criar uma estrutura que pudesse desenvolver atividades na área da divulgação, da formação e da produção.
C7A: O público adere com facilidade à vossa programação? Vocês criam uma programação pensada em exclusivo para o público?
CCVC: A programação é pensada para três sessões distintas: Sessões Cineclubistas, com sessões às quintas-feiras no Cinema Verde Viana, com uma programação que procura selecionar, sempre que a oferta das distribuidoras o permite, filmes de autor e das cinematografias menos conhecidas; Sessões Especiais, à sexta-feira, no auditório dos Trabalhadores dos Estaleiros Navais, com sessões que privilegiam os clássicos ou ciclos organizados com a parceria de outras entidades; Sessões Cultura da Idade, com uma projeção mensal, destinadas a um público sénior.
C7A: É difícil para vocês criar uma programação de cinema mais independente e com clássicos do cinema, sem que não apareça muito público?
CCVC: Se considerarmos o número de habitantes de Viana do Castelo, entendemos que o número de espectadores das nossas sessões é razoável. As sessões cineclubistas têm uma média de cinquenta espectadores por sessão, as sessões especiais, de vinte e cinco, e as destinadas ao público sénior esgota sempre o auditório de sessenta e sete lugares.
C7A: Costumam passar algum cinema português?
CCVC: Geralmente programamos todos os filmes portugueses que estão em distribuição.
C7A: Atualmente, em época de muita crise, onde as pessoas tem menos dinheiro para ir ao cinema, como conseguem gerir as contas do cineclube?
CCVC: As contas de um cineclube são sempre difíceis de gerir. Se somarmos o custo com o aluguer do filme, muitas vezes um preço especulativo, o aluguer do cinema e a projeção, depressa concluímos que seriam precisas salas cheias em todas as sessões para pagarmos as contas. O orçamento tem sido equilibrado à custa dos vários apoios que temos conseguido reunir, principalmente da autarquia, do ICA e do IPDJ. E, claro, quando temporariamente a crise aperta, diminuímos o número de sessões.
C7A: São um dos grandes impulsionadores do cinema documental e antropologico. Criaram o Lugar do Real, uma plataforma online que disponibiliza uma base de dados de filmes documentais, de forma gratuita. Fale-nos um pouco deste “Lugar do Real”.
CCVC: O Lugar do Real nasceu em 2010 pela mão da AO NORTE e foi criado para divulgar os documentários e os trabalhos produzidos em contexto de formação pela Associação, permitir o visionamento de documentários dos realizadores que querem partilhar as suas obras e divulgar a fotografia documental. Os principais objetivos do Lugar do Real são permitir uma alternativa ao acesso e valorização do documentário, funcionando também como uma base de dados que facilite aos programadores a seleção de filmes e de outras obras audiovisuais para projeção em sala; permitir a consulta de registos vídeo na área da antropologia visual, depoimentos, memórias, entrevistas, imagens de arquivo, etc; incentivar a recuperação e partilha, em formato digital, dos filmes em 8mm com valor histórico e cultural (Século XX em 8mm); divulgar as obras realizadas pelos alunos das escolas de cinema e de audiovisuais e dos projetos levados a cabo pelas escolas do ensino básico e secundário, e divulgar a fotografia documental, entendida como memória do séc. XX, com um foco especial nos álbuns de família.
C7A: Vocês, como cineclube não divulgam apenas. Produzem também documentários e dão formação. De que forma tem investido nesta área da produção e de que maneira tem estas vossas iniciativas formado novos públicos?
CCVC: Na área do documentário, levamos a sério o realizador chileno Patrício Guzmán, que afirmou “um país sem documentários é como uma família sem álbum de fotografias”. Nessa área temos produzido vários filmes que apresentamos como lugares de memória, uma vez que pretendem preservar algo da memória social e etnográfica da região. Temos também produzido documentários, em parceria com outras entidades, em Angola e em Cabo Verde. Na área do documentário dinamizamos regularmente o curso Olhar o Real, um espaço de aprendizagem e de experimentação, através da realização de documentários em vídeo digital.
Ainda no campo da formação promovemos workshops e cursos de formação junto das escolas, atividade que se estende pelo Vídeo na Escola e Histórias na Praça, cujos resultados podem ser visionados no Lugar do Real. Um outro projeto de formação, e editorial, é O Filme da Minha Vida. Esta iniciativa propõe, a autores nacionais de ilustração e de BD, a criação de uma obra a partir de um filme que lhes tenha deixado memória, um projeto que faz conviver a banda desenhada, a ilustração, o cinema e a escrita criativa. Com uma evidente carga pedagógica, destina-se a todos quantos gostam da sétima e da nona artes, e, principalmente, aos jovens que frequentam o ensino secundário e superior. Cada Filme da Minha Vida implica a projeção e análise do filme selecionado pelo autor, a apresentação do livro, a exposição dos originais e um encontro com o autor. Para além do público em geral, são convidados a participar neste espaço multidisciplinar os alunos de Artes Visuais e das disciplinas relacionadas com o audiovisual, a comunicação e a Língua Portuguesa.
C7A: Organizam todos os anos os “Encontros de Cinema de Viana”, que já vai na sua 13ª edição. Com este projecto promovem mais uma vez o documentário e formam os mais jovens para esta área, através de debates, workshops e criação de pequenos filmes nas escolas, pelos alunos. Qual o impacto dos “Encontros de Cinema de Viana” para a região e para o cinema português?
CCVC: Procuramos que os Encontros sejam um verdadeiro encontro. Do cinema com a cidade, dos jovens que raramente vêm cinema em sala com os filmes, dos alunos das escolas de cinema, dos cineclubistas de Portugal e da Galiza, de realizadores e de produtores com o público.
Sem querermos chegar a uma fórmula definitiva, há alguns propósitos que têm servido de base ao desenho desta iniciativa: oferecer uma programação aberta a vários públicos, promover a participação dos mais jovens nas sessões de cinema em sala, transportar para a escola o debate de temas da atualidade, a partir dos filmes, propor um espaço de experimentação e de aquisição de competências na área da criação audiovisual e pôr em lugar de destaque o documentarismo.
C7A: Qual a importância deste cineclube para a cidade de Viana do Castelo e qual a importância dos cineclubes hoje na sociedade?
CCVC: Os cineclubes têm um papel fundamental na divulgação do cinema de autor e independente. Ajudam a corrigir a distorção provocada pela distribuição comercial, oferecem o acesso a um cinema alternativo e a cinematografias ausentes dos multiplexes e contribuem para a formação de públicos. No caso de Viana do Castelo, a AO NORTE tem sido, desde o fecho das salas geridas pela Socorama, a única oferta disponível.
C7A: Sentem falta de apoios do estado ou das câmaras municipais para os cineclubes?
CCVC: A Câmara Municipal de Viana do Castelo tem sido o principal parceiro da AO NORTE, e a entidade que tem permitido desenhar uma programação regular de cinema, parceria que se tem alargado à formação e mesmo à produção. Infelizmente, a entidade que deveria assumir esse apoio, o Instituto do Cinema e do Audiovisual, disponibiliza no seu orçamento verbas residuais para o apoio à exibição de cinema não comercial, e mesmo para a formação.
C7A: Acham que deveria haver uma maior relação de parceria entre outros cineclubes do país?
CCVC: Uma maior relação de parceria seria desejável e condição indispensável para uma afirmação, a nível nacional, dos cineclubes. Cabe à Federação Portuguesa de Cineclubes essa tarefa, mas nem sempre tem tido possível alcançar os resultados que todos esperávamos. O que, em parte, se compreende, uma vez que não há profissionalização e quem oferece o seu tempo e energia para gerir a Federação também trabalha nos cineclubes.
C7A: O cineclube só vive da dedicação e trabalho dos voluntários?
CCVC: O cineclube vive quase exclusivamente do trabalho dos seus associados. Para alguns projetos e, em casos pontuais, recorre a técnicos pagos e a estagiários.
C7A: Película ou Digital?
CCVC: A transição da película para o digital é um dos grandes desafios com que os cineclubes se debatem, uma vez que exige a substituição da atual tecnologia de projeção, mudança que acarreta custos incomportáveis. Por outro lado, poderá permitir, no futuro, o acesso a filmes que, de outra maneira, seria quase impossível ver e programar.
C7A: Um dos principais objetivos de um cineclube é o de discutir e refletir sobre cinema. Acha que os cineclubes hoje tem cumprido essa missão, para além da simples exibição?
CCVC: Embora os cineclubes não consigam fazer debates em todas as suas sessões, é uma prática que continua a ser levada a cabo. No nosso caso, através dos ciclos a que chamamos Filmes Falados, e que têm como destinatários os alunos do ensino secundário e superior, ou através dos ciclos que promovemos em parceria com outras entidades sobre temas específicos.
Próxima paragem: Cineclube de Santarém
Uma ideia original de
Cinema 7ª Arte
Texto de
Tiago Resende
Revisão de
Eduardo Magueta