“Querido Diário: Edição Cineclubes” é uma rubrica original dos criadores do Cinema 7ª Arte que remete o leitor para uma viagem de vespa por Portugal fora, numa demanda dos cineclubes ainda ativos. De cidade em cidade, iremos conhecer cada cineclube e os seus nativos que se esforçam por partilhar a paixão pela sétima arte.
Chegamos a Amarante, terra de figuras ilustres, como Amadeo de Souza-Cardoso, Teixeira de Pascoaes e Agustina Bessa-Luís. O Cineclube de Amarante foi fundado em 1995 e com quase vinte anos de existência, esta instituição tem-se demarcado na região como um projeto de sucesso, na divulgação do cinema.
Legenda: C7A – Cinema 7ª Arte / CA – Cineclube de Amarante
C7A: O que motivou a criação de um cineclube na cidade de Amarante?
CA: O Cineclube de Amarante (CA) nasceu da vontade de um vasto grupo de cinéfilos empenhados em recuperar o gosto pelo cinema numa comunidade onde esta expressão artística, que conheceu grande vitalidade, corria o risco de se desvanecer na sequência do encerramento da última sala de espetáculos, e inconformados também perante a progressiva desertificação cultural do interior num meio geográfico com largas tradições desse veículo de cultura.
C7A: Têm um programa dedicado aos mais novos, com as “Sessões para Escolas”. Sentem que os alunos dessas escolas têm absorvido o gosto de ver cinema e, em especifico, outros cinemas que de outra forma não teriam acesso?
CA: A ligação com os públicos escolares é feita de várias formas. Em primeiro lugar, através de sessões especiais em épocas como o Natal ou o Dia da Criança, em que são exibidos filmes direcionados para públicos infantis, principalmente filmes de animação.
Em segundo lugar, através da estreita ligação que o Cineclube mantém com a Escola Secundária/3 de Amarante (ESA), mais especificamente com a Biblioteca Escolar (BE).
A Elsa Cerqueira pertence simultaneamente à equipa da Biblioteca Escolar e à direção do Cineclube e dinamiza, semanalmente, o “Concurso Cineliterário”, com o objetivo de sensibilizar os jovens para a importância da literatura e do cinema.
Todos os alunos, de todos os ciclos de ensino, são convidados a responder a uma questão no âmbito da literatura (autoria de um poema ou de outra obra literária, completar um verso, nome de um cineasta, de um filme, etc.).
A BE dispõe de um formulário de resposta e de uma caixa na qual as respostas são depositadas pelos alunos. Dado que as sessões do Cineclube de Amarante se realizam à sexta, o sorteio dos vencedores é realizado durante essa manhã e são contactados via telemóvel, tendo direito, normalmente, a um ou dois bilhetes duplos para a sessão no cinema Teixeira de Pascoaes, habitat do CA.
Esta experiência é profícua porque ensina aos alunos que as atividades culturais podem e devem extravasar a escola. Neste sentido, uma ida ao cinema é um convite que, amiúde, se alarga a outros colegas, amigos e familiares. É portanto um desafio que começa por ser pessoal mas que implica uma dimensão social e comunitária.
E o reconhecimento do mérito desta iniciativa surge no Projeto Educativo da ESA (triénio 2013-16): “Destaca-se, também, a parceria estabelecida com o Cineclube de Amarante, com o objetivo de promover educação ao nível da sensibilidade estética nas áreas da literatura e do cinema.”
Em terceiro lugar, desde o ano letivo de 2012-13 que a Elsa criou e dinamiza sozinha o “Clube de Cinema” na Escola que promove a visualização e a leitura crítica de obras fílmicas (curtas-metragens).
A premissa deste clube radica no pressuposto de que os alunos são seres ativos no desenvolvimento das suas competências ou habilidades cognitivas, afetivas e conativas e, portanto, só uma pedagogia criativa que eduque e estimule simultaneamente a visão, o olhar, – ou não vivêssemos numa sociedade cujo paradigma é a linguagem audiovisual – e as habilidades inerentes ao pensar é que poderá estimular o desenvolvimento de cidadãos críticos e interventivos.
A utilização de curtas-metragens decorre do constrangimento temporal ou duração semanal do Clube de Cinema.
Toda a atividade do clube é registada, sumariada, e os alunos assinam uma folha presencial e preenchem um inquérito sobre a qualidade do Clube. Frequentaram o CC, até hoje, cerca de 700 alunos.
Por fim, é relevante mencionar que, recentemente, o Cineclube tornou-se parceiro desta escola na implementação em Amarante do Plano Nacional de Cinema, uma iniciativa muito interessante, cujo objetivo primacial é combater a iliteracia fílmica. O projeto ainda está numa fase inicial, mas acreditamos que irá ter um importante papel na formação/educação dos nossos jovens sobre o cinema, em geral, e sobre os filmes clássicos, em particular.
C7A: Em 2013 comemoraram o décimo oitavo aniversário, usando a expressão “18 Anos de Resistência”. O cineclube de Amarante tem realmente lutado pela sua existência nos últimos anos? É algo que sentem estar em risco de desaparecer?
CA: A expressão “resistência” foi utilizada para transmitir a dificuldade inerente à atividade de programar, durante tantos anos, sessões de cinema que fogem aos cânones convencionais do cinema, numa cidade apesar de tudo de pequena dimensão como é Amarante. É claro que as dificuldades são inerentes a qualquer associação que viva do voluntariado dos seus membros e no movimento cineclubista isso verifica-se igualmente. Embora no nosso caso tenhamos contado com apoios importantes. Portanto, apesar da expressão “resistência”, não equacionamos a possibilidade de desaparecimento da nossa associação.
C7A: Vocês criam uma programação pensada em exclusivo para o público?
CA: Nos últimos anos, devido à diminuição do número de cópias de filmes em película no circuito de distribuição nacional, tivemos mais dificuldades em programar as nossas sessões de cinema. Mas procuramos sempre equilibrar na nossa programação filmes de realizadores consagrados com filmes de outros realizadores emergentes e ao mesmo tempo tentamos incluir cinematografias de diversas proveniências.
C7A: É difícil para vocês criar uma programação de cinema mais independente e com clássicos do cinema, sem que não apareça muito público?
CA: Tentamos fazer um equilíbrio entre filmes que sabemos que têm notoriedade junto do público, mas que ao mesmo tempo correspondem a patamares de qualidade cinematográfica e de originalidade que no nosso entendimento são indispensáveis. Portanto, não fazemos concessões a nível de qualidade para ter a sala cheia. E temos tido uma média de espetadores estável e em crescimento sustentado.
O dilema existe só aparentemente: exibir filmes para o grande público ou manter uma certa exigência na programação? Cremos que as salas de cinema multiplex exercem bem a primeira função, o CA tem orgulho na exigência da sua programação. Uma das missões do CA é da oportunidade aos amarantinos de conhecerem cinematografias e filmes que enriqueçam a sua sensibilidade ao nível da estética cinematográfica.
E é importante perceber que hoje em dia a programação de cinema tem que ser vista num quadro muito exigente. Temos que concorrer com o cabo e com o download de filmes pela internet. Qualquer sala de cinema no país perde público fruto destas circunstâncias.
C7A: Costumam passar algum cinema português?
CA: Sim, de acordo com a produção e distribuição que ocorre no nosso mercado. Privilegiamos as obras que não entram, por uma razão ou outra, no circuito comercial convidando sempre o realizador para fazer a apresentação dos filmes e debater com o público. A título meramente exemplificativo no último ano exibimos O Gebo e a Sombra, de Manoel de Oliveira; Luz Teimosa de Luís Alves de Matos; A Arca do Éden, de Marcelo Felix.
C7A: Atualmente, em época de muita crise, onde as pessoas tem menos dinheiro para ir ao cinema, como conseguem gerir as contas do cineclube?
CA: Com um rigor espartano-português. O nosso modelo de programação – ou qualquer outro que encontrássemos -, não se autofinancia através das quotizações dos seus associados. O protocolo estabelecido com a Câmara Municipal de Amarante é fulcral para manter a atividade do CA nos últimos 10 anos. A estrutura de financiamento da nossa atividade foi sofrendo alterações ao longo destes 18 anos. No final de 1996, segundo de existência do CA, a fonte de receita desse ano provinha largamente de receitas próprias, sendo que menos de 20 por cento resultava de apoios de entidades externas, entre eles a autarquia. Este padrão mante-se sensivelmente até 2004. No ano de 2005 a situação vivida com o decréscimo de afluência às salas de cinema generalizada a todo o país (e consequente perda de receita) implicou uma inversão ao modelo de financiamento da atividade com o peso do apoio camarário a assumir um peso maior no nosso orçamento.
C7A: Qual a importância deste cineclube para a cidade de Amarante e qual a importância dos cineclubes hoje na sociedade?
CA: É difícil sermos juízes em causa própria. Mas acreditamos que a existência de instituições como a nossa, em cidades como Amarante é das poucas formas de garantir uma programação de cinema regular e de qualidade. Por outro lado, proporcionamos ao nosso público o contacto com cinematografias que de outra forma não teriam oportunidade de ver, a não ser que fossem a Lisboa ou ao Porto. Por isso, os cineclubes e as associações culturais, em geral, desempenham uma função importante de diversificação da oferta cultural, o que é uma riqueza importante para a vida das comunidades locais.
C7A: Sentem falta de apoios do estado ou das câmaras municipais para os cineclubes?
CA: No caso do Cineclube de Amarante a Câmara Municipal tem sido um parceiro absolutamente fundamental para o sucesso das nossas atividades. Desde há vários anos que contamos com um apoio anual para a concretização do nosso plano de atividades e desenvolvemos, ainda, atividades extraordinárias com o apoio do município, como é o caso do Cinema ao Luar ou do festival “European Short Films”. E podemos até afirmar que esse apoio autárquico tem resistido a ciclos políticos, porque tem sido uma política consensual e seguida por vários executivos camarários.
C7A: Acham que deveria haver uma maior relação de parceria entre outros cineclubes do país?
CA: Todas as formas de colaboração e de parceria são importantes e o problema do nosso país tem muitas vezes a ver com a falta de trabalho em rede entre as instituições do mesmo meio. Mas temos mantido boas relações com vários cineclubes, principalmente do norte do país e isso permite que as nossas atividades vão um pouco mais além do que aconteceria noutras circunstâncias.
C7A: O cineclube só vive da dedicação e trabalho dos voluntários?
CA: Sim, todo o trabalho é efeito pelos dirigentes e sócios do CA, numa atitude puramente «desinteressada» no sentido kantiano do termo.
C7A: Película ou Digital?
CA: Consideramos que os filmes devem ser exibidos no formato em que foram produzidos. Infelizmente a muito curto prazo não teremos filmes em pelicula para programar. O CA quer prestar à comunidade um serviço de elevada qualidade, no entanto, não é possível programar, logo exibir – dado que os filmes em formato de 35 mm, neste momento, escasseiam e são considerados, pelas distribuidoras autênticas raridades.
Estamos neste momento em processo de reconversão do nosso sistema de projeção, através da aquisição de uma máquina de projeção digital, o que nos impediu de programar durante a primeira metade deste ano. Esperamos que esse processo esteja concluído até ao final do ano, para voltarmos a realizar sessões regulares de cinema.
De resto, esta é uma discussão atual. Os XV Encontros de Cinema de Viana do Castelo, uma iniciativa do AO NORTE Associação de Produção e Animação Audiovisual contemplaram um Encontro de Cineclubes para discutir esta temática e levantar a questão “O Futuro do Cinema é Digital?”.
C7A: Um dos principais objetivos de um cineclube é o de discutir e refletir sobre cinema. Acha que os cineclubes hoje tem cumprido essa missão, para além da simples exibição?
CA: Sim, evidentemente. Por esse motivo é que convidamos realizadores para apresentarem os seus filmes e debaterem com o nosso público. Já realizamos também colóquios e conferências sobre literatura e artes plásticas, sempre na perspetiva da confluência destas artes com o cinema.
C7A: Espaço “Mensagem do Presidente”: (este espaço é oferecido ao presidente do cineclube para deixar uma pequena mensagem aos sócios/voluntários/público em geral. É um espaço livre e da inteira responsabilidade do presidente.)
CA: Interrompemos no final de 2014 as nossas sessões sem data definida para o regresso. Fizemo-lo por dois grandes motivos: a melhoria das condições da sala e a mudança do sistema de projeção.
Em primeiro lugar, a “nossa” sala está a ser profundamente requalificada ao nível de instalações sanitárias, anfiteatro e instalações elétricas. Tudo isto está a ser executado, e a bom ritmo, pelas equipas da Câmara Municipal de Amarante, instituição proprietária das instalações.
Ainda assim o maior constrangimento ao regresso às nossas sessões prende-se com a definitiva “descontinuidade” de distribuição de filmes em pelicula – vulgo 35mm – o que nos impede, de todo, de continuar a programar com regularidade.
Afigura-se, portanto, necessário encontrar uma solução conjunta (Cineclube e Câmara Municipal) e nesse sentido estamos a trabalhar para dotar a sala do Cinema Teixeira de Pascoaes com o equipamento (DCP) que permita a continuidade da exibição de cinema na nossa cidade.
Estamos convencidos que a curto prazo a sala estará equipada ao nível da projeção cinematográfica e som compatível para mantermos uma programação de qualidade de acordo com a Missão do Cineclube de Amarante.
E isto no ano em que comemoramos os 20 anos de existência / resistência.
Quando todos estes constrangimentos estiverem ultrapassados, poderemos ver o que melhor se produz nas várias cinematografias mundiais e recuperar alguns filmes – imprescindíveis – que perdemos nos últimos 2/3 anos.
Contamos com a vossa presença e esperamos que nos acompanhem nas nossas sessões.
O presidente do Cineclube de Amarante, Manuel Carvalho
Próxima paragem: Cineclube de Tomar