O último filme do realizador singapurense Eric Khoo é uma agradável viagem por entre a gastronomia singapurense e a forma como ela se liga à vida sentimental do jovem Masato (Takumi Saitoh).
Masato vive no Japão e trabalha como cozinheiro no restaurante do pai, que se dedica especialmente à confeção do prato tradicional nipónico: o ramen. Após a morte súbita do pai, com quem sempre teve uma relação distante, Masato remexe o baú de memórias familiar, onde encontra fotografias e cartas deixadas pela mãe, singapurense, que perdeu quando tinha apenas dez anos. Essas memórias são o impulso para que Masato decida viajar até Singapura para relembrar os espaços visitados em criança com os pais e aprender a cozinhar bak kut teh, um prático típico da gastronomia do país.
Os planos de abertura do filme já conseguem mostrar um pouco daquilo que será a base estilística de Khoo. Os planos que nos mostram a preparação de um ramen remetem para um quotidiano habitado por fogões, panelas e especiarias entre outros elementos que acabam por compor o espaço vital por onde Masato se movimenta.
Entre o restaurante do pai e a casa, vemos que Khoo filma os interiores da casa japonesa fugindo às poderosas sínteses do espaço que nos habituou o mestre japonês Yasujiro Ozu. Evita os planos rasantes ao solo, assim como os planos abertos e frontais que reenquadravam os seus atores na geometria quadrangular das linhas feitas pelos vãos de passagem que provocavam a ilusão de se repetirem até ao infinito. Embora isto possa parecer, ao leitor, um estanho aparte, considero-o relevante, uma vez que se consegue sentir como duas formas de filmar distintas modificam totalmente a perceção de um espaço com características similares.
Ao longo do filme, quase todas as cenas são acompanhadas por melodias que vincam bastante o seu tom melodramático. Por um lado, sentimos que isso afirma a sua intenção, por outro, existe uma dificuldade em entendermos a opção, uma vez que as profundas diferenças de perceção cultural nos impedem de sentir verdadeiramente aquela melodia. A tendência será acharmos uma lamechice pegada, uma forma de forçar as emoções do espectador, de o manipular. Contudo, penso que esta não será a interpretação mais justa – devido à própria sensação de justeza que a música consegue com as imagens. Se tentarmos quebrar essa barreira cultural, sabemos que na terra que viu nascer a poesia haiku, a simplicidade e a imagem são tudo. As melodias que ouvimos durante o filme – como nos melodramas sul-coreanos – são a tradução mais perfeita do significado de amor e romance nessas culturas. Tal como na poesia haiku, essas notas contêm a quantidade de imaginação e fantasia suficiente para que possamos sentir a levitação, a leveza emocional que acompanha as personagens. A evocação nostálgica de uma memória, a intensidade de uma contemplação apaixonada, qualquer arrebatamento espiritual é visto, culturalmente, como um momento de leveza de um corpo que de repente perde as suas coordenadas espácio-temporais. Numa cultura grave como a nossa, a paixão foi amiúde associada ao pecado, possuindo um peso excessivo, tornando-se uma cruz…. Ora, esta leveza oriental que se traduz pela melodia não é tanto uma estratégia, mas a criação de atmosfera… E assim que assimilamos a imagem em conjunto com a melodia, talvez nos deixemos desprender das nossas amarras significativas para pairarmos um pouco sobre a história.
O grande valor de “Ramen Shop” está nesta simplicidade que assume e que tenta introduzir em todas as cenas. O quotidiano aparece como base existencial a partir da qual as personagens se lançam para as suas buscas mais íntimas e espirituais. A simples presença desta dialética é algo que me agrada bastante, apontando-nos sempre na direção do lugar da vida, ou como diria Martin Heidegger, como se passa do ordinário para o extraordinário. A vida pulsa sempre a partir das coisas mais simples e banais: esse espaço onde colocamos uma panela sobre o lume é o mesmo onde pensamos, imaginamos e nos apaixonamos.