“Gosto de pensar que corro com tanto fogo no coração quanto ele (Senna).” – Lewis Hamilton
Passaram-se vinte e cinco anos após a morte de Ayrton Senna, em Imola, naquele que foi o fim de semana mais negro da Fórmula 1. Desde as rodas projectadas para o público na grelha de partida; rodas que feriram membros das equipas técnicas nas Boxes, ao acidente de Rubens Barrichello, culminando, fatalmente, nas mortes de Roland Ratzenberger e Ayrton Senna. O mundo da Fórmula 1, desde então, nunca mais foi o mesmo.
É difícil não sentirmos uma presença mítica nas imagens que vemos de Ayrton Senna, por isso, fazer um retrato de um ser dessa natureza, é tão emotivo quanto desafiante. Asif Kapadia monta o seu documentário de uma forma linear, começando pelas primeiras corridas de Ayrton, quando ainda competia em Kart, até aos últimos dias da sua vida. Um documentário que retrata postumamente alguém, tem sempre de recorrer a imagens pré-existentes, que possuem as mais variadas fontes. A morte de Ayrton aconteceu numa altura em que a televisão já tinha conquistado muito espaço na cobertura da modalidade. Isto fez com que, para além de conseguirmos ver a genialidade com que o piloto brasileiro conduzia, podíamos ver o brilho que emanava do seu olhar, com uma intensidade que o distinguia de todos os outros pilotos. São essas imagens que o realizador juntou para retratar alguém cujo carisma foi capaz de provocar uma admiração tão duradoura.
Quem é esse piloto, de capacete amarelo, que logo no seu ano de estreia na Fórmula 1, em 1984, a correr para a Toleman, no GP do Mónaco, a chover a potes, partiu do 13.º lugar e conseguiu aproximar-se, três segundos por volta, do então primeiro classificado, Alan Prost? A chuva é imensa, e é melhor parar a corrida, mas… se a coisa tender para um lado, mais umas voltas, faz-se aqui um herói; se tender para o outro – que foi o caso –,menos voltas e evitamos uma humilhação. Este episódio define aquilo que Senna iria ter de enfrentar nos tempos futuros, pois a “corrida pura” teria acabado no tempo do Kart, agora “há política e muito dinheiro envolvidos” (palavras do próprio piloto).
A sua rivalidade com Prost tornou tudo mais tenso – mas também mais interessante para os amantes da modalidade. Ironicamente, essa comparação entre os dois pilotos, tornou também ainda mais evidente a pujança moral de Ayrton Senna, que fazia dele um génio incomparável. Tudo nele era vontade férrea e exigia primeiro de si mesmo. A sua intensa obsessão pela perfeição era o primeiro e mais essencial combustível em direcção à vitória. Prost, “o professor”, era um piloto extremamente calculista, competente, mas sem aquela chama que arde a cada segundo por uma volta mais rápida ou por uma brecha para uma ultrapassagem.
A rivalidade só tornou ainda mais reluzente a chama do piloto brasileiro, tendo em conta as adversidades políticas que foram surgindo ao longo da carreira de Senna. O filme foca-se nos momentos mais importantes dessa rivalidade dentro das pistas, mas não deixa de mostrar como a família foi central no apoio e também nos valores morais que lhe foram passados. A forma como o povo brasileiro se sentia representado por ele e o extremo carinho que lhe tinham, revela-se na forma emotiva como receberam o corpo do piloto para a realização do seu funeral. Mas essa emoção não se ficou confinada nas fronteiras do seu país, ela transcendeu-as e chegou a muitos corações espalhados pelo mundo.
O documentário consegue dar-nos essa faísca de emoção que só uma memória que permanece viva consegue dar. Senna aparece-nos vivo, intenso, focado, apaixonado, rápido, inocente, feroz, alegre, humilde… brilhante.
Realização: Asif Kapadia
Argumento: Manish Pandey
Elenco: Ayrton Senna, Alain Prost, Frank Williams
Reino Unido/2010 – Documentário
Sinopse: