Realizado por Elem Klimov e com argumento do escritor Ales Adamovich, “Vem e Vê” é baseado em factos verídicos e também no livro “The Khatyn Story”, de Adamovich. Embora o filme tenha como pano de fundo a 2.ª Guerra Mundial no período de 1941 a 1945, interessa muito mais a Klimov explorar os efeitos devastadores da mesma no curso da História.
Na Bielorússia de 1943, Florya (Aleksey Kravchenko), um rapaz de 16 anos escava a terra e encontra uma arma que possibilita a sua integração na resistência. Florya sente-se animado ao divertir-se com os outros soldados, porém, em pouco tempo se vê afastado dos companheiros e forçado a realizar uma jornada de dor, medo e violência à medida que vê os horrores feitos pelos inimigos e compatriotas.
Florya não é mais uma personagem de consequências, que paira num cenário dantesco da banalização do mal, qual visão de Hannah Arendt na sua obra “Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal (1963)”, testemunhado o mal como uma trivialidade em cada pântano que pisa.
Toda a história é contada pelos olhos de Florya e cada momento fica impresso no seu rosto, como uma cicatriz. Ao longo do filme, o espectador vê o rapaz a sofrer um envelhecimento precoce. O enredo dura apenas alguns dias, no entanto, no rosto de Florya estão presentes anos de horrores testemunhados na guerra. Ele definha ao longo da história, tornando-se num ser que não tem mais por que viver, apenas sobrevive. O trauma que cai sobre Florya é retratado com tal espetacularidade que não deixa a audiência indiferente, levando-a a sentir que também sofrera aquele trauma.
Aleksei Rodionov opta por uma fotografia pessimista, de cores mortas, mas bela, que nos permite observar o rosto contorcido de dor de Florya e testemunhar a queda de uma criança inocente: sentimo-nos miseráveis face a tanta falta de humanidade.
A trilha sonora de Oleg Yanchenko é densa e torna “Vem e Vê”, numa tragédia lírica, impulsionada pela Lacrimosa de Mozart, pela Cavalgada das Valquírias de Wagner e pelo Danúbio Azul de Strauss Jr.
O realizador teria comentado durante a visualização do filme que o seu objetivo não seria contar uma história sobre a guerra, mas sim remexer nas suas memórias de infância e mostrar aos espectadores os sentimentos pelos quais passou durante essa fase da vida. Klimov testemunhou esses horrores quando tentava escapar, com a sua família, da ofensiva alemã da Bielorrússia, em 1941. Também afirma que a violência e o horror retratados no filme não são nem metade do que ele vivenciou – se tivesse expressado tudo o que viveu sobre a guerra na sua vida, nem ele próprio conseguiria assistir a esse filme.
Em “Vem e Vê” não existe glória nem salvação, mas há uma sensação de liberdade inerente à obra, especialmente nas cenas finais. Quanto à verdade, não há escapatória. Ela está ali para toda a gente ver, mesmo à nossa frente – “Vem e Vê”.
Esta obra desfez o meu conceito de “cinema de guerra”, que fui construído com obras como “Full Metal Jacket”, “Apocalypse Now” ou “Platoon”. Klimov denuncia a tragédia quase irreal que foi o Holocausto e apresenta ao espectador a verdadeira natureza do homem: um ser imperfeito com uma maldade inata e primitiva.
Vêm e Vê, pela primeira vez nas salas portuguesas, numa nova versão restaurada a 29 de agosto, é uma estreia a não perder e uma redescoberta do que outrora foi o inferno na Terra.
Realização: Elem Klimov
Argumento: Ales Adamovich e Elem Klimov
Elenco: Aleksei Kravchenko, Liubomiras Lauciavicius, Olga Mironova
União Soviética/1985 – Drama/Guerra
Sinopse: Florya (Alexei Kravchenko), um jovem rapaz do campo, alista-se no exército de resistência à ocupação Nazi, e testemunha as atrocidades cometidas em 628 aldeias da Bielorrússia, durante a ocupação alemã em 1943.