A primeira reacção depois de se assistir a “You Cannot Kill David Arquette” é, com quase toda a certeza: “O que raio se passou aqui, mesmo?”
O documentário que estreia a 17 de Março na plataforma de streaming Filmin é de tal maneira inusitado que não é sequer fácil estabelecer que tipo de relação o espectador enceta com o que viu.
Um dos aspectos mais interessantes talvez seja mesmo a sua natureza fictícia, muito próxima do mockumentary, porque às tantas não é possível deixar de se questionar porque é que o actor David Arquette tanto insiste na história de que é uma anedota como pessoa e como actor.
A verdade é que é ao longo de “You Cannot Kill David Arquette” não é possível descobrir qual é a verdade e esse não parece ser o interesse fundamental deste filme que é mais entretenimento do que outra coisa.
Funciona muito bem dessa forma, como uma peça de bom entretenimento que, durante hora e meia, não tem pretensões a nenhum título e é, diga-se, apenas o usufruir de uma série de patetices de alguém que aos 49 anos diz que não quer crescer.
Ao mesmo tempo, na sua vertente de documentário real, tem a coragem de mostrar a vida de David Arquette em toda a sua fragilidade, focando-se nos momentos menos bons pelos quais o actor tem passado nas últimas duas décadas.
Arquette é aficcionado do wrestling na vida real e foi precisamente o wrestling que ele alega ter destruído a sua carreira, depois de ter ganho o título de campeão de pesos pesados no início dos anos 2000, numa brincadeira decorrente do filme “Adeptos da Pancada”.
A premissa de “You Cannot Kill David Arquette” é, pois, a de Arquette querer restaurar a sua reputação junto dos fãs e da indústria do wrestling e, por isso, vai treinar e tentar voltar aos ringues para recuperar a confiança e respeito de todos os envolvidos.
Por muito que essa pareça uma causa nobre, há depois todo um aspecto de ilusão que envolve o próprio wrestling que faz pôr em causa se, afinal, esta demanda é também ela real ou não.
Há muito de ilusionismo em “You Cannot Kill David Arquette” que apenas é absorvido depois de visto e, sobretudo, depois de visto passado um tempo considerável.
À primeira vista, o documentário mostra-se como um verdadeiro e emotivo frente a frente com um actor de Hollywood em plena crise de meia idade sem receio de se mostrar em toda a sua fragilidade.
Sem sequer ter conhecimento do percurso do actor ao longo dos últimos vinte anos, o espectador equacionará primeiro quais são as motivações para neste momento se lançar numa demanda desta natureza.
Um actor apaixonado por um mundo que tem tanto de fantasia como a sua própria arte e quer ser levado a sério mais pelos envolvidos nesse mundo declaradamente ficcionado como modo de recuperar a sua imagem não deixa de parecer suspeito.
Essa suspeição e o equilíbrio ténue entre ficção e não ficção tem tanto de surpreendente como de desagradável e por vezes o espectador pode sentir-se enganado e, em muitos momentos, incomodado com o facto de a hostilidade estar literalmente ao virar da esquina.
Na verdade, “You Cannot Kill David Arquette” torna difícil estabelecer consigo um relacionamento duradouro e isso tem tanto de desafiante como de desapontante.
Se, por um lado, é extremamente apetecível enquanto entretenimento puro, por outro lado não deixa grande memória para lá daquele tempo curto de filme. A partir desse momento, os sentimentos de desilusão podem começar a surgir.
David Arquette é ele próprio um personagem em si mesmo, enquanto pessoa, e nem mesmo a presença da família ao longo do filme – incluindo as irmãs Arquette – o legitimam ou tornam mais “adulto”.
Conclui-se, pois, que tudo não passou de um embuste em que alegremente tropeça quem o vê e isso não tem absolutamente nada de errado, até porque o personagem de Arquette no regresso ao ringue é declaradamente uma espécie de feiticeiro louco que atira ilusões ao público – só se engana quem quer.
“You Cannot Kill David Arquette”, contudo, não é um produto tão improvisado como possa parecer, já que estava previsto ser filmado em seis meses e acabou por se prolongar por três anos, como revelaram os realizadores David Darg e Price James.
Sempre pisando linhas de que não é possível conhecer em maior profundidade se são uma verdadeira demanda pessoal ou apenas a vontade de Arquette se divertir, o filme acaba por ficar aquém daquilo que poderia significar.
A seriedade por detrás das intenções não se descortina, embora depois se venha a saber que tanto as cenas mais tensas de agressão, ainda nos Estados Unidos, como as passadas no México, são reais.
A indecisão na escolha da linguagem é tanto uma enorme vantagem, pela sua frescura, como uma oportunidade perdida para ir mais além no mundo do documentário – ou será mesmo um mockumentary? É possível que não se venha a saber e isso pode ser uma coisa boa, mas também muito irritante.