6 filmes que influenciaram “A Substância”, de Coralie Fargeat

Entre as influências de Fargeat estão grandes nomes do cinema, como David Cronenberg, Stanley Kubrick, David Lynch e Darren Aronofsky
A Substancia 2024 1 1 A Substancia 2024 1 2
“A Substância”, de Coralie Fargeat

Recentemente, numa entrevista ao Filmmaker Toolkit Podcast, que será publicada em breve, Coralie Fargeat, argumentista e realizadora de “A Substância”, revelou as influências cinematográficas que marcaram o seu aclamado filme de body horror.

A película, que tem vindo a conquistar destaque nas redes sociais e é considerada por muitos como um dos melhores filmes do ano, destaca-se ainda como um dos poucos exemplares do género a ser nomeado para prémios importantes, como os Globos de Ouro e os Critics’ Choice.

Fargeat comentou a sua intenção de criar um filme que “fique consigo muito depois de sair do cinema”, explicando que passou muito tempo a reflectir sobre por que razão certos filmes deixam uma impressão duradoura e o que pode aprender com eles. Afirma que “A Substância” se baseia na ideia de “fantasmagoria, de quebrar as regras da realidade”.

banner fevereiro 2025 1 3
Publicidade

Para ela, ao criar a realidade do filme, surge uma liberdade criativa única, permitindo-lhe criar algo que só ela seria capaz de fazer.

Entre as influências mais marcantes de Fargeat estão grandes nomes do cinema, como David Cronenberg, Stanley Kubrick, David Lynch, os irmãos Coen, Darren Aronofsky e John Carpenter.

Cada um desses realizadores, com a sua maneira única de romper com a realidade, ajudou a moldar o universo de Elisabeth Sparkle, brilhantemente interpretada por Demi Moore.

Para além das influências referidas, no podcast, Fargeat discutiu como os temas, a filosofia, o uso do género, a linguagem cinematográfica e as inovações artísticas desses mestres tiveram um impacto directo na sua criação.

A Substância

“A Substância” segue Elisabeth Sparkle, uma atriz de renome que teve o seu momento de glória em Hollywood, com uma carreira admirável e até um Óscar no currículo. Mas, aos 50 anos, encontra-se em declínio, apresentando um simples programa de ginástica numa televisão local, à semelhança do clássico VHS fitness dos anos 80 “Jane Fonda’s Workout”.

A sua rotina vira de cabeça para baixo quando é informada de que será substituída por uma atriz mais jovem. Esta revelação abala Elisabeth de forma profunda, levando-a a uma crise existencial. No entanto, tudo se transforma quando ela descobre a “Substância”, uma droga que promete torná-la na melhor versão de si mesma, mais jovem e deslumbrante.

O filme de Fargeat adentra o universo do body horror, um género que explora de maneira explícita, perturbadora e grotesca a carne humana, com cenas que causam um grande desconforto no espectador.

Algumas dessas sequências são tão intensas que fizeram com que o público abandonasse a sala de cinema. Todavia, essas imagens não são apenas choques visuais; elas servem a um propósito, aprofundando a reflexão sobre os limites que as pessoas estão dispostas a ultrapassar na busca incessante por um padrão estético imposto.

Numa era em que os procedimentos estéticos se tornam cada vez mais comuns, quase como um produto acessível numa loja qualquer da rede de conveniência mexicana Oxxo, em uma grande metrópole, o filme, embora dividindo opiniões, oferece uma reflexão pertinente em tempos líquidos.

Além disso, munida do olhar feminino da sua realizadora, que também assina o guião, a produção apresenta uma abordagem crítica e contemporânea sobre a obsessão pela juventude e pela beleza — conceitos amplamente vividos por jovens nas redes sociais, onde padrões muitas vezes inatingíveis são impostos como modelos a seguir.

À medida que a trama se desenrola, o surrealismo começa a se infiltrar, intensificando a reflexão sobre uma sociedade cada vez mais distante de padrões reais e acessíveis.

Confira os filmes que influenciaram a produção protagonizada por Demi Moore e Margaret Qualley:

“A Mosca” (1986), de David Cronenberg

Considerado por muitos como a obra-prima de David Cronenberg, “A Mosca” (1986) é uma adaptação do conto homónimo de George Langelaan que mistura elementos de horror, ficção científica e drama psicológico, oferecendo uma das reflexões mais perturbadoras sobre a condição humana e as fronteiras da ciência.

A história acompanha Seth Brundle (Jeff Goldblum), um cientista excêntrico e obcecado com o seu trabalho, que desenvolve um revolucionário dispositivo de teletransporte.

Decidido a testar a sua invenção, Brundle escolhe experimentar o processo em si mesmo, acreditando que o experimento é seguro. Contudo, durante o teste, uma mosca entra acidentalmente na câmara de teletransporte, resultando numa fusão inesperada entre os dois organismos.

Inicialmente, Brundle acredita que o experimento foi um sucesso. Ele sente-se eufórico, convencido de ter conquistado algo extraordinário, mas rapidamente começa a perceber que algo está errado. O seu corpo começa a mudar de forma estranha e inquietante.

Embora as suas capacidades físicas pareçam aumentar, ele começa também a sofrer mutações horríveis à medida que as células da mosca começam a dominar o seu corpo, transformando-o gradualmente numa criatura monstruosa. O que parecia ser uma vitória científica transforma-se rapidamente num pesadelo de autodestruição e desespero.

A deterioração física e mental de Brundle torna-se uma metáfora enérgica sobre os limites da ciência e a vaidade humana ao tentar controlar a natureza. Cronenberg usa a transformação física de Brundle para explorar temas como identidade, alienação e os efeitos devastadores do ego.

Através de uma mistura de gore explícito e uma narrativa lancinante, o filme coloca o público perante o corpo humano na sua forma mais grotesca e incontrolável, levantando questões sobre a natureza da existência e o preço da ambição desmedida.

“A Mosca” não é apenas um filme de terror, mas uma reflexão pungente sobre a humanidade, os limites da ciência e as consequências imprevistas das inovações tecnológicas. Ao combinar um enredo de ficção científica com um estudo psicológico e filosófico denso, Cronenberg cria uma obra que, embora grotesca, também é surpreendentemente enternecedora, explorando as complexidades da identidade humana e o preço do progresso.

O impacto visual, as transformações aterradoras e a atuação inesquecível de Goldblum fazem deste filme um marco no género e uma obra de referência para os fãs de cinema de terror e ficção científica.

“2001: Odisseia no Espaço” (1968), de Stanley Kubrick

Uma misteriosa e imponente estrutura negra surge como um elo entre o passado e o futuro nesta icónica adaptação cinematográfica de um aclamado conto de ficção científica de Arthur C. Clarke. Sob a direção visionária de Stanley Kubrick, o filme transcende os limites do género e transforma-se numa meditação visual e filosófica sobre a evolução humana e o desconhecido.

Quando o Dr. Dave Bowman (Keir Dullea) e a sua equipa de astronautas são enviados numa enigmática missão ao espaço profundo, a sua jornada é marcada por mistérios insondáveis e desafios imprevistos. No coração da nave Discovery One, o supercomputador HAL 9000, celebrado pela sua infalível inteligência artificial, começa a apresentar comportamentos perturbadores. À medida que a missão avança, HAL revela-se cada vez mais errático e ameaçador, transformando-se de uma ferramenta confiável numa ameaça letal.

O confronto entre Bowman e HAL transcende a mera luta por sobrevivência, questionando as relações entre o homem e a tecnologia, a confiança e a autonomia. No entanto, este é apenas o prelúdio de uma viagem épica e alucinante que leva Bowman além das fronteiras da realidade conhecida. Ao atravessar o icónico Stargate, ele embarca numa experiência que desafia a percepção humana, confrontando o infinito e a possibilidade de um renascimento cósmico.

Repleto de simbolismos e de sequências visuais inesquecíveis, esta obra-prima não é apenas uma história sobre exploração espacial, mas uma ponderação sobre a natureza da humanidade, o seu lugar no universo e os mistérios que nos rodeiam. Mais do que um filme, é um convite para contemplar as grandes questões da existência.

“Barton Fink” (1991), de Joel e Ethan Coen

Em 1941, Barton Fink (John Turturro), um aclamado dramaturgo de Nova Iorque conhecido por suas peças que abordam a vida das classes trabalhadoras, é atraído para o brilho de Hollywood com a promessa de sucesso financeiro e criativo.

Seduzido pela ideia de alcançar um público mais amplo, ele aceita a oferta de um estúdio para escrever argumentos de cinema, imaginando que poderá equilibrar a sua integridade artística com as demandas da indústria cinematográfica.

Ao chegar a Los Angeles, Barton instala-se num hotel decadente, de corredores sombrios e atmosfera sufocante, um reflexo inquietante do isolamento e das pressões que começa a sentir. A sua tarefa inicial parece simples: escrever o roteiro de um filme de luta livre destinado ao público de massa. Entretanto, Barton logo enfrenta um bloqueio criativo paralisante, agravado pela natureza genérica e alienante do projeto, que contrasta com o seu desejo de produzir obras significativas.

Enquanto luta com a página em branco, Barton encontra Charlie Meadows (John Goodman), o seu vizinho jovial e aparentemente amigável. Charlie, um vendedor de seguros, oferece-se para ajudar Barton a “conectar-se com o homem comum”, mas a relação entre os dois assume contornos inesperados e inquietantes. À medida que Barton se afunda em frustração, os encontros com Charlie tornam-se cada vez mais estranhos, levantando questões sobre as verdadeiras intenções do vizinho.

A vida de Barton é pontuada por interações surreais e perturbadoras, incluindo um chefe de estúdio autoritário, produtores implacáveis e uma musa problemática que desafia as suas expectativas sobre inspiração artística. Como uma série de eventos bizarros e violentos começa a ocorrer, o mundo de Barton desmorona em um caos que mescla realidade e delírio, explorando os temas da ambição, da desumanização na indústria do entretenimento e da luta do artista por autenticidade.

Com a sua visão distorcida de Hollywood e o confronto com os seus próprios demónios, Barton Fink revela-se um retrato subversivo e mordaz do conflito entre a arte e o comércio, a identidade e a conformidade, e o preço que a criação artística pode cobrar de quem ousa enfrentá-la.

“Mulholland Drive” (2001), de David Lynch

“Mulholland Drive” (2001) é considerado um dos maiores clássicos do cinema contemporâneo, uma obra-prima do realizador David Lynch, onde o real e o surreal se entrelaçam de forma sedutora e perturbadora.

O filme começa com a história de uma jovem atriz, Betty Elms (Naomi Watts), que chega a Hollywood com sonhos de sucesso, apenas para se ver envolvida numa trama misteriosa e desconcertante. Ao instalar-se num apartamento, encontra uma mulher desconhecida (Laura Harring) que, após sofrer um grave acidente de carro na famosa estrada de Mulholland Drive, perde a memória e não consegue recordar a sua identidade ou como chegou àquele estado.

A jovem Betty, inicialmente entusiasmada com as perspectivas de uma carreira promissora em Hollywood, vê-se rapidamente envolvida na busca para descobrir quem é a mulher amnésica, com quem desenvolve uma ligação inesperada.

À medida que as duas tentam desvendar o mistério, o filme mergulha num abismo de surrealismo, criando um ambiente em que a lógica se dissolve e as fronteiras entre sonho e realidade se tornam indistintas. Lynch, como é característico do seu trabalho, faz uso de elementos simbólicos e imagens oníricas para desorientar o espectador, provocando uma sensação de confusão e inquietação.

O enredo de “Mulholland Drive” é denso, fragmentado e carregado de camadas interpretativas. Cada cena parece carregar múltiplos significados, e as transições entre a realidade e a fantasia são feitas com subtileza, desafiando o público a reconstruir o quebra-cabeças que Lynch propõe.

À medida que os mistérios se intensificam, o filme transforma-se numa reflexão complexa sobre a obsessão pela fama, as ilusões da indústria cinematográfica e os desejos reprimidos. A jornada de Betty/Betty-Linda em Hollywood torna-se uma metáfora para os próprios horrores da fama, a perda da identidade e a destruição pessoal, temas recorrentes na obra de Lynch. O facto de a trama ser não linear e envolver elementos tão abstratos dá a “Mulholland Drive” um carácter de pesadelo psicológico, onde as interpretações são múltiplas e abertas a diferentes leituras.

“Mulholland Drive” destaca-se também pela forma como lida com a identidade, especialmente no que diz respeito à mulher, e as suas complexas interacções com os outros personagens. A mulher amnésica, que mais tarde se revela sob diferentes formas e personagens, reflecte o conceito de fragmentação da identidade, uma ideia central tanto na narrativa como na própria estrutura do filme.

A ambiguidade entre o que é real e o que é apenas uma projecção do subconsciente gera uma sensação de desorientação, colocando em questão a própria natureza da memória e do desejo.

No final, o filme de Lynch não oferece respostas claras, mas desafia o espectador a reflectir sobre a natureza do cinema, da identidade e do sonho americano.

“A Vida Não É um Sonho” (2000), de Darren Aronofsky

Em “A Vida Não É um Sonho” (2000), de Darren Aronofsky, a jornada de Sara Goldfarb (Ellen Burstyn) é uma das mais trágicas do filme. Uma mulher de meia-idade, sozinha e frustrada, ela vê a chance de realizar seu grande sonho quando recebe um convite para participar de seu programa de TV favorito.

Para estar à altura da oportunidade, Sara sente que precisa emagrecer e, para isso, começa a tomar pílulas para emagrecer, desejando usar um vestido que considera perfeito. O que parece uma solução simples logo se transforma em um vício.

Inicialmente, as pílulas oferecem a transformação que Sara almeja. Ela perde peso rapidamente e se sente mais confiante. Porém, logo a dependência das pílulas a consome, e sua vida começa a desmoronar. A obsessão por um corpo idealizado, combinado com os efeitos das substâncias, a coloca em um ciclo de degradação física e mental. Sara se torna refém das ilusões de perfeição que a sociedade impõe, acreditando que, ao alcançar esse padrão, poderá finalmente conquistar a felicidade e o sucesso.

Enquanto isso, seu filho, Harry (Jared Leto), enfrenta sua própria luta contra as drogas. Ele também está preso em um ciclo de busca por escape e autossabotagem, sem perceber que, assim como a mãe, está se afastando cada vez mais de sua própria identidade. Ambos, mãe e filho, são tragicamente consumidos por suas dependências, cada um em busca de um sonho que, no fim, se revela inatingível.

“A Vida Não É um Sonho” é uma consideração sobre os vícios, tanto das substâncias quanto das ilusões sociais, e sobre como as expectativas irreais podem destruir vidas. A busca de Sara pela perfeição física é uma metáfora dolorosa para o vazio que muitos sentem ao tentar corresponder às pressões externas, levando-os a perder a si mesmos no processo.

“Veio do Outro Mundo” (1982), de John Carpenter

Em “Veio do Outro Mundo” (1982), de John Carpenter, o isolamento e o terror psicológico unem-se numa narrativa de suspense e sobrevivência. Ambientado na remota Antártida, o filme segue um grupo de cientistas americanos que, na sua base, se veem aterrados por um incidente aparentemente trivial, mas que rapidamente se revela o início de uma ameaça mortal.

Um helicóptero aproxima-se da estação e os seus ocupantes, aparentemente em pânico, atiram a um cão que corre em direção ao acampamento. O grupo, surpreso e confuso com o comportamento dos estrangeiros, resgata o animal ferido, sem saber que está prestes a libertar uma criatura de terror indescritível.

Logo, ao tentar socorrer o cão baleado, os cientistas descobrem que ele não é um simples animal. O cão começa a atacar violentamente os outros animais e os membros da equipa, revelando a horrível verdade: o animal não é o que parece. Ele é uma forma de vida alienígena capaz de imitar qualquer ser vivo com o qual entre em contacto, absorvendo a sua estrutura celular e assumindo a sua aparência com perfeição. Esta descoberta abre uma possibilidade aterradora: qualquer um dos cientistas pode já estar morto, e a cópia da criatura pode ter substituído a sua identidade sem que ninguém perceba.

Com o pânico e a desconfiança a crescerem entre eles, os cientistas veem-se presos numa situação desesperante: ninguém pode confiar em ninguém. A tensão aumenta à medida que os membros da equipa tentam descobrir quem é humano e quem não o é, enquanto a criatura continua a infiltrar-se e a multiplicar-se, uma cópia de cada vez.

Neste clima de paranoia crescente, um piloto e um médico, interpretados por Kurt Russell e Wilford Brimley, tornam-se os protagonistas da luta pela sobrevivência. Eles tentam capturar e destruir a fera antes que seja tarde demais, o que significaria a aniquilação de toda a humanidade, pois a criatura alienígena poderia facilmente se espalhar pelo mundo.

“Veio do Outro Mundo” não é apenas um filme de terror; é uma obra-prima de suspense psicológico que explora o medo do desconhecido, a desconfiança e a natureza destrutiva do medo coletivo.

O conceito de duplicação, em que ninguém sabe mais quem é real, traz à tona um dos maiores medos humanos: a perda da identidade e a impossibilidade de distinguir o amigo do inimigo. A atmosfera opressiva da Antártida, o clima de desespero e a constante tensão entre os personagens fazem deste filme um dos maiores exemplares do género, mantendo o espectador na ponta da cadeira até ao seu desfecho surpreendente.

Com efeitos especiais inovadores para a época e uma narrativa imersiva, o filme destaca-se como um marco do terror psicológico e científico, deixando uma marca definitiva no cinema, e provocando discussões sobre confiança, medo e a natureza do mal.

O filme não só joga com o terror físico, mas também com o psicológico, explorando o isolamento extremo e as reacções humanas sob pressão extrema.

Skip to content