Patricio Guzmán tem-se revelado cada vez mais como um dos monstros do cinema documental, anos e anos de experiência têm aperfeiçoado a técnica do documentarista chileno, e agora que ele se virou para o lado mais natural e ancestral do seu país, essa técnica floresceu de forma sublime.
Após se ter virado para os céus que cobrem o deserto de Atacama em “Nostalgia da Luz”, Guzmán segue agora a sua narrativa virando-se para as águas dessa mesma região, água essa que viu o passar de milhões e milhões de anos deste planeta especial a que chamamos casa, água que viu milhares de anos de cultura indígena chilena a florear e explorar, apenas para ver também a chegada dos colonos europeus e, pouco a pouco, a destruição dessa mesma cultura. E a água viu também a revolução política e a eventual ditadura, onde quase que como um cúmplice, ajudou a esconder centenas (se não milhares) de corpos das vítimas do terrível regime do general Pinochet. Guzman nunca perde o seu lado mais político mas desta vez, com a utilização da natureza nos seus filmes ele acaba por criar uma poesia de contemplação, lenta em ritmo mas pujante em conteúdo.
O nome do documentário vem da história de Jemmy Button, um membro de uma tribo chilena que a troco de um simples botão de pérola foi levado para longe do seu mundo a bordo do famoso HMS Beagle, o navio conhecido por ter levado Charles Darwin nas suas viagens de estudo. Jemmy Button trocou tudo o que conhecia a troco de um simples objecto de pouco valor tal como, podem alguns dizer, trocamos hoje enquanto sociedade as nossas culturas e identidades ancestrais, bem como o nosso próprio habitar em favor de algo mais moderno, político, artificial. O botão reflecte também a tragédia da perda, pois tal como a familia de Button o perdeu para os ingleses que vieram do lado de lá do Oceano, várias famílias chilenas também perderam membros que após executados pelo governo de Pinochet, foram atirados ao mar para nunca mais serem encontrados, exceptuando por um simples botão, que o mar preservou durante décadas, quase que como uma lembrança de todos aqueles que nele foram escondidos.
Cada sequência de planos é construída de forma meticulosa. Cada imagem que se foca nas águas que fluem como um labirinto, cada face mostrada em grande plano, cada palavra narrada suavemente pelo próprio Guzmán ou até mesmo cada som trovejante de uma calota de gelo a partir é em serviço ás memórias invocadas por um simples botão e por uma minúscula gota de água. “O Botão de Nàcar” é um filme que fala não só para os povos da região do deserto de Atacama mas para todos aqueles que vivem, viveram e viverão neste mundo, apenas porque a água assim o permite.
Realização: Patricio Guzmán
Argumento: Patricio Guzmán
Elenco: Patricio Guzmán, Raúl Zurita
Chile/França/Espanha/2015 – Documentário
Sinopse: O oceano contém toda a história da Humanidade, as vozes da terra e as que vêm do espaço. A água é também a maior fronteira do Chile e guarda o segredo de dois botões que foram encontrados nas suas profundezas. Com 2670 milhas de costa, o Chile é o maior arquipélago do mundo e tem paisagens espetaculares: vulcões, montanhas e glaciares. Também aí se ouvem as vozes dos primeiros indígenas da Patagónia, os primeiros colonos ingleses e as dos prisioneiros políticos. Alguns dizem que a água tem memória. Este filme mostra que também tem voz.