“Uma pequena silhueta patética e mal vestida, um chapéu de coco amolgado, umas calças largas, um botão de bigode, uns sapatos enormes e uma bengala pretensiosa”. Falo de Charlot, o vagabundo, uma complexa personagem que é parte patife, parte figura patética, parte herói, parte romântico, parte crítico social, parte cavalheiro, parte poeta, parte sonhador. Este, é o meu Charlot!
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Autor do texto: José Alberto Pinheiro, Realizador e Professor do Ensino Superior
Não me recordo ao certo do momento preciso em que topei o vagabundo de Chaplin, mas foi cedo, muito cedo. De todas as imagens que me fizeram ser, poucas partilham o espaço da fotografia clássica de Charlot acompanhado pelo cândido Jackie Coogan (quem diria que um dia ias ser o tio Fester!), no seminal “The Kid”. Mais do que um actor, Chaplin foi um espectro omnipresente durante toda a minha infância. Não era só “nos filmes” que me cruzava com ele… estava em todo o lado! Dos hoje aparentemente incompreensíveis blocos de papel perfumado (loucos anos 80!), às paredes de um qualquer café da cidade do Porto, passando pelo baptismo de uma das salas que marcou o meu inevitável rumo à cinefilia, lá estava ele a fitar-me com aquele olhar tão peculiar. Mesmo na mais tenra idade conseguia identificar os traços do que mais tarde viria a percepcionar como o sorriso trágico de Charlie Chaplin. Era estranho, aquele tipo engraçado e triste. Não há louvor que se possa acrescentar à sua obra, nem reflexão que de tão original ou mais ou menos iluminada mereça particular destaque. Por isso, a este desafio que me foi lançado respondo unicamente com a memória – a minha. Da infância à idade adulta, o espectro foi-se desvanecendo, ficou lá atrás, como um artefacto esquecido, até que um dia o meu grande amigo (e então professor) Jorge Campos me desafiou a revisitar o espectro. Em escassas semanas passei a sua filmografia a pente fino. Extático, sem conseguir parar ou racionalizar o que me guiava naquela febre, passei dias e dias dentro do ecrã, deixando para trás o ícone, a caricatura, e encontrando o ser humano, o viver humano para e pelo cinema. Clássicos há muitos, mas poucos são os que com absoluta honestidade posso considerar que mantêm a relevância nos nossos dias. Os clássicos de Chaplin inserem-se nessa categoria. Porque é que acredito que Chaplin continua a ser assim tão relevante? Sobretudo pela honestidade, pelo humanismo “simplista” que tanto choca com o cinismo e medo travestido de erudição que hoje tanto vende – sinal supremo de superior entendimento. Chaplin é “simples”, brutalmente “simples”, e é nessa “simplicidade” que encontrei e continuo a encontrar alguns dos maiores desafios à reflexão sobre a condição humana que a sétima arte consegui veicular. Chaplin foi um cometa. Escreveu, interpretou, realizou, produziu, compôs… caminhando ombro a ombro com gigantes como D.W. Griffith ou Georges Méliès, na construção de uma forma de arte que hoje tomamos como garantida. Vagabundo, Calvero, Hynkel, Verdoux… sei que nos voltaremos a encontrar, e também sei que encontrarás muitos depois de eu deixar de por cá andar.
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Obrigado, José Alberto Pinheiro, pela colaboração.