“Green Border – Zona de Exclusão” – Não o Fechamento, Sim a Fronteira Circular

"Green Border - Zona de Exclusão" (2023) "Green Border - Zona de Exclusão" (2023)
"Green Border - Zona de Exclusão" (2023)

Que não se pense que este filme não é sobre fronteiras, mas antes sobre pontos de vista políticos, uns mais um a lado e uns aos outro, e uns mais certos e uns mais errados e vice-versa. Não. É mesmo sobre fronteiras. As fronteiras da possibilidade e da impossibilidade, as de cima e as de baixo, as do ser livre e as do não ser livre, as do fazer e as do não poder fazer, as do ansiar por algo melhor e não o poder ter, enfim, é sobre as fronteiras que estão fechadas, e essas são linhas e convenções de mapas e são como são. Estão ali, já mudaram tantas vezes, e já foram daquele povo, já pertenceram àquela nação e agora são desta.

A linha que rodeia um povo e uma comunidade é o entorno mais reconhecível que se pode ter. Assim se chama um espaço de “nosso”, “meu”, o do “nós”, o “território nacional”, a “nossa nação”. Nada mais claro, nada mais natural. Assim nos dividimos, por linhas e mais linhas, desenhos e mais desenhos. Somos de “tal país”, somos de “tal nacionalidade”. Claro é que se se perguntar, não se saberá responder acerca de qual foi o processo que desenhou essa configuração que rege a separação física entre um dado espaço geográfico e um outro. Mas assim foi, por guerra ou ocupação, por uso e estadia, por utilização e cultivo da terra.

Quem aqui escreve está habituado a ser-se sabedor de que as linhas que rodeiam o seu território nacional são assim há já muito tempo, histórica e sociologicamente. Sabe, igualmente, que essa fronteira se alarga para muito mais do que isso, pois há uma outra convenção política, assinada por quem o representa, que lhe diz que vive num “espaço livre” que tem o nome da localidade que dá o nome ao acordo. Quem aqui escreve tem uma nacionalidade, mas também tem no seu passaporte uma supranacionalidade, a mesmíssima que tanto primou pelo conseguir do acordo acima referido. Quem aqui escreve é tanto da sua nacionalidade quanto o é da sua supranacionalidade. Quem aqui escreve vive num grande espaço que se chama “Europa” e que bonito é esse nome para uma ideia moderna de um continente (e aqui está uma outra convenção) que tem na sua base o esbater das fronteiras e a construção de uma coesão entre os seus povos e nações (e é isto que está nas convenções que são os seus tratados). E, por fim, quem aqui escreve fala sobre um filme e as percepções e os pensamentos que ele lhe trouxe ao espírito e à mente sobre este mesmo assunto: o espaço que é o seu será sempre melhor quanto mais pessoas poder nele incluir e com elas ainda mais riqueza cultural, material e espiritual nele construir.

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Este texto não indicará nomes de personagens, não nomeará pessoas (a não ser uma), falará antes de espaços humanos, de pessoas humanas, da ânsia de se ser humano, de poder ser-se humano. O único nome pessoal aqui a ser escrito é o da cineasta cujo próprio nominativo de identificação foi a razão pela qual quem aqui escreve viu o filme, quando o notou no seu cartaz promocional. O nome dela será escrito e referido mais à frente.

Sobre a imagem do cartaz, que é a reprodução de um plano do filme, fala-se agora: uma mulher e um jovem negro, preto e branco, luz nas faces, tudo à volta é escuro. O rapaz dorme, a mulher olha ligeiramente para cima. As suas mãos seguram o corpo do jovem, aquecendo-o. Um abraço, enquanto tudo à volta permanece na escuridão. Na imagem/plano, a fronteira é esse espaço negativo que sinaliza que as fronteiras são as espacialidades da negatividade quando se fecham sobre si mesmas, quando não se expandem para além das suas sucessivas ondulações (uma fronteira está para lá da outra, e a seguinte para além das que a precedem, e assim sucessivamente) que as vão fechando umas sobre as outras. A floresta-fronteira onde ambas as personagens estão, esse escuro que as rodeia, é feita desse negrume da noite que a espessura da folhagem pouco deixa chegar ao chão. É uma fronteira negativa, desprovida de solidariedade. Mas é também, no desenho (e volta essa palavra) da iluminação, uma bolha de amor e humanidade. Talvez por isso, o filme só poderia ser filmado a preto e branco, não para simbolizar jogos maniqueístas, mas para sinalizar a iluminação dos humanos perante a desumanidade da noite fria dessa floresta que é mais do que a fronteira física: é a fronteira de um espírito europeu que nega a si mesmo a sua própria auto-iluminação e o propósito do seu contrato consigo mesmo, o de permitir a liberdade de passagem e estadia a quem nele entre ou possa querer entrar ou peça para entrar (teria que pedir?…).

As duas personagens entendem-se, falam, encontram-se no denominador comum da linguagem, todos falamos, línguas diferentes, línguas iguais, encontram-se aquelas que todos dominem e possam através delas se expressar. Aí, as fronteiras físicas terminam, fala-se a “franca língua humana”. Mais tarde, o jovem africano cantará numa língua que os jovens europeus perceberão e todos eles cantarão, numa casa onde já não haverá fronteiras que não se possam passar ou terras de exclusão onde se venha a morrer. Há naquela casa a esperança de se ser, só ser.

Este filme é realizado por Agnieszka Holland, cineasta europeia. Ela – e a equipa de produção que a acompanhou e a ajudou a criá-lo – fez o filme que quis, mostrou o que achou que tinha que mostrar, e quem opinou a favor dele ou contra ele, fê-lo num espaço de liberdade, o mesmo que devemos (sim, nós, os europeus) manter sempre aberto a TODOS os outros. Um filme como este não se analisa da mesma forma que os restantes. Pensa-se sobre ele e a partir dele. E uma reflexão acima-se mais do que as outras, para quem aqui escreve: para além da nacionalidade e da supranacionalidade que são as suas, há uma outra, tão sua quanto o é de todas as pessoas do mundo, e que é uma ultra-nacionalidade a que se pode chamar de “a nossa planetaridade”, um estado de ser que nos faz todos iguais e que é absoluto e fundamental e que em tudo ultrapassa as pueris dicotomias de esquerda e direita e as suas putativas análises das relações geopolíticas e do devir dos povos e nações.

A planetaridade é a única fronteira circular que devemos considerar, pois é absolutamente inclusiva, feita de abertura e de liberdade. Essa é a única linha, também ela absolutamente expansiva, que devemos sublinhar. E se é um filme “radical” que assim nos possa ensinar a moderação e o respeito pelo outro, então só podemos agradecer que ele tenha sido feito.

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