Um dos heróis favoritos das nossas infâncias regressou e não da forma de que estávamos à espera: este é um filme de animação que excede todas as expectativas. “Homem-Aranha: No Universo Aranha”, realizado por Bob Persichetti, Peter Ramsey e Rodney Rothman, desafia o cinema de animação, trazendo-nos um filme que tem tanto de entretenimento como de obra cinematográfica, agradando a miúdos e graúdos, às massas e aos críticos.
Miles Morales (Shameik Moore) é um adolescente como todos os outros, com uma relação algo complicada com o pai (Brian Tyree Henry), que não aprecia o seu lado mais artístico e descontraído. Isto incentiva-o a procurar refúgio e compreensão junto do seu tio Aaron (Mahershala Ali), que o leva a um túnel abandonado para que ele se exprima livremente através de uma das formas de que mais gosta: o graffiti.
Mas neste túnel acontece muito mais do que a simples expressão artística de um jovem com as emoções ao rubro: é aqui que Miles será mordido por uma aranha radioativa, dando-lhe poderes semelhantes aos de Peter Parker (Chris Pine). Este, no entanto, é derrotado pelo vilão Kingpin, deixando Miles na complicada posição de se tornar no único Homem-Aranha, recaindo sobre si a responsabilidade de derrotar os planos de Kingpin e Doc Ock para abrir um buraco entre diversas dimensões.
Miles acaba por descobrir, todavia, que se encontra menos sozinho do que pensava: as experiências interdimensionais tinham, afinal, resultado no transporte para o universo de Miles de múltiplas variações do Homem-Aranha, como a Mulher-Aranha (Hailee Steinfeld) e o Homem-Aranha Noir (Nicolas Cage), entre muitos outros. É este grupo que irá, então, envolver-se numa missão cheia de humor que pisca o olho aos filmes anteriores do Homem-Aranha e aos comics.
As aventuras pelas quais estes super-heróis irão passar não são, porém, a marca distintiva deste filme. A perspetiva cruamente real de um adolescente que não é assim tão diferente daquele que fomos é ilustrada ao estilo dos livros de quadradinhos, dando ao espectador uma estranha sensação de fascínio, quase liberdade artística, por estar no cinema como se estivesse a folhear uma banda desenhada.
Numa época em que os avanços tecnológicos tornaram possíveis a realização de um filme de animação incrivelmente idêntico à realidade, este novo Homem-Aranha afasta-se da crescente homogeneização visual deste tipo de filmes, criando todo um novo tipo de imagem. O detalhe mais evidente que assemelha o filme à BD são os balões de fala e frames estáticos que poderiam muito bem ser retirados do comic original. Mas não é este o principal motivo de diferenciação do filme.
Os realizadores, com o intuito de afastar o mais possível o filme dos restantes, foram ao núcleo da técnica de animação. O filme foi animado sem motion blur, ou desfoque de movimento, para que cada frame estivesse completamente definido e, nas palavras do seu produtor, Christopher Miller, “fosse possível congelar cada frame e emoldurá-los por tão deslumbrantes que são (…)”.
Os estilos de animação de cada personagem são únicos, realçando a sua proveniência de dimensões e realidades distintas. O filme combina CGI com desenho à mão por artistas de banda desenhada: estes pintaram por cima de cada frame gerado em CGI, fazendo com que cada momento do filme parecesse realmente retirado de um livro de quadradinhos. Nomeado para melhor filme de animação nos Globos de Ouro, Critics Choice Awards e diversos outros prémios, é um filme que sem dúvida tem sido aclamado entre os críticos, e que é fortemente elegível para uma forte representação nos Óscares. Aliada a esta imersiva técnica de animação, está uma excelente edição de som, entrelaçada com uma banda sonora intrinsecamente ligada ao estilo das personagens.