Já se tornou corrente mencionar que o “tempo destrói tudo”, como se de um slogan de conveniência e de irredutível verdade se tratasse, mas, aqui, o tempo parece ter também os seus dotes de restaurador. Falar de “Surdina” atualmente é referir um hiato crucial desde a sua estreia agendada nas salas nacionais (em abril) até ao seu definitivo lançamento, após três meses de confinamento. Como tal, uma realidade drasticamente alterada perante uma crise de ordem mundial iluminou esta longa-metragem assinada por Rodrigo Areias (“Ornamento e Crime”, “Hálito Azul”) com uma nova luz.
O luto ficcional de um homem, Isaque (António Durães, com os seus ares de Anthony Quinn), que acobarda-se perante a real situação que vive, adquirindo com isto uma mensagem de esperança e superação das imensas adversidades que nos prendem a “bestas” enclausuradas que grunhem desalmadamente. Obviamente que o cuidado visual, sonoro e metaforizado deste suposto retrato da “portugalidade” ainda existente nos cantos e recantos vimaranenses, é fruto da dedicação e união da equipa da resistente produtora Bando à Parte, do seu realizador (cada vez mais focado em dinamizar o panorama cinematográfico nacional) e de um escritor visado a argumentista (Valter Hugo Mãe), num sustento esforço de invocações memorialistas.
É um “recuerdo” com ares de bucolismo, um retrato vivente de um país ainda refugiado no seu quotidiano costumeiro e tradicional, e dos maneirismos típicos que são restringidos à sua ruralidade. Quase como um filme-comunidade, Rodrigo Areias consegue com a sua maturada candura, uma resistência revitalizadora e desprendida perante os futuros incertos, sincronizado com a banda-sonora de Tó Trips, uma nota para a mais evidente marca autoral do seu cineasta. Aqui, as sonoridades da sua carreira dialogam umas com as outras, conectando-se através de uma corrente, uma partitura sob a composição constante, para ser ouvida e “vista” sem encriptações.
Um pequeno e agridoce filme para abrir o nosso apetite ao desconhecido.