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«Tabu» – A África de Miguel Gomes

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Miguel Gomes ganhou fama mundial com “Aquele Querido Mês de Agosto” (2008), mas foi com “Tabu” que os críticos lhe caíram aos pés. Triunfou no Festival de Berlim de 2012 ao ter ganho os prémios Alfred Bauer e FIPRESCI (este último um dos mais importantes prémios da crítica cinéfila). Miguel Gomes conquistou o público e a crítica também no Festival Internacional de Cinema de Las Palmas 2012, onde ganhou o segundo prémio mais importante, o prémio Lady Harimaguada de Prata, para além do prémio do Público.

“Tabu” fala-nos de uma história de amor impossível entre Aurora (Ana Moreira) e Gianluca Ventura (Carloto Cotta). A história divide-se em três partes, um prólogo (uma curta cena inicial bastante caricata, que acabou por se revelar como uma apresentação do que viria acontecer), a 1ª parte (intitulada de “o paraíso perdido”) e a 2ª parte (intitulada de “paraíso”).

O “paraíso perdido” é passado em Lisboa do presente, mais concretamente em dezembro de 2010. Pilar é uma idosa frágil e instável que vive com a sua empregada cabo-verdiana, Santa (Isabel Muñoz Cardoso). Pilar (Laura Soveral) é a sua vizinha e única amiga que vai procurar Gianluca Ventura a pedido de Pilar que se encontrava às portas da morte. Santa e Aurora descobrem então que Ventura foi um antigo amante de Pilar e este conta-lhes a sua história de amor.

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É, portanto, na segunda parte que a história de amor é contada. O “paraíso” é passado em África entre 1960 e 1961 (inicio da guerra colonial portuguesa) em Moçambique numa fazenda situada no monte Tabu. Nesta parte vemos uma Aurora bastante jovem e bela que vive com o seu marido e com um crocodilo. É este animal, o crocodilo, que irá de certa forma ligar Aurora a Ventura que, em novo, também vivia em Moçambique com uns amigos, formando até uma banda do estilo dos Beatles. É amor à primeira vista e Aurora e Ventura envolvem-se num amor louco e apaixonante (no inicio) e melancólico (no final, com a gravidez de Aurora, fruto do seu marido).

Enquanto que a primeira parte do filme pode parecer confusa e estranha para o espectador, a segunda parte é o “verdadeiro filme” e a resposta a todas as nossas dúvidas. No final tudo se liga, tudo se compreende, tudo faz sentido. A vida de Aurora em África está marcada pelo pecado, com mãos sujas de sangue, como a própria refere a Pilar. Pecados esses que só conhecemos na segunda parte.

Filmado num registo clássico e, portanto, pouco usual hoje em dia, com uma imagem a preto e branco, com grão e a 4:3 (como nos filmes mudos dos anos 20). É curioso que no último ano fizeram-se em Portugal três filmes a preto e branco (“Viagem a Portugal”, “O Barão” e “Tabu”). Note-se ainda que a  segunda parte do filme (filmada em 16mm) é parcialmente muda, apenas ouvimos sons ambientais, a música (com ritmos africanos, melodias de piano e músicas dos anos 60) e a voz do narrador, ou seja, sem qualquer diálogo por parte dos atores.

Uma das características comuns na obra de Miguel Gomes é a musicalidade constante. Todo o filme é acompanhado por uma doce melodia de piano e ocasionalmente com músicas dos anos 60 (que algumas personagens tocam). Outra característica é o uso da estrutura bi-partida dos seus argumentos e o estilo documental sempre presente, que se mistura de forma bastante natural com a ficção. Penso que podemos considerar a primeira parte do filme a “verdadeira ficção” e a segunda parte a documental, pelo facto de em oposição à primeira ser parcialmente muda e sempre narrada. O narrador conta-nos a história daquelas pessoas que não falam, apenas temos os sons ambientes, os gestos e as expressões. É como se num cenário africano estivéssemos a ver um documentário da BBC vida animal, como caçam, como acasalam, como vivem, etc (neste caso os animais seriam as pessoas). O narrador diz-nos o que cada um pensa, o que o leva a cada personagem (ou animal) a fazer determinadas ações.

A nível técnico está soberbo o trabalho de som e de fotografia, assim como o de realização. Destaque ainda para o excelente elenco composto por Carloto Cotta, Ana Moreira, Teresa Madruga, Isabel Muñoz Cardoso e Laura Soveral.

“Tabu” é um filme invulgar, poético e bastante interessante. Uma obra que teve uma co-produção com França, Alemanha e Brasil, provando que quando se quer muito fazer cinema, todos se unem para a mesma causa. O cinema português torna a dar sinal de vida com “Tabu” e de que os apoios não podem parar, não agora (desde 2000) que somos vistos e aplaudidos além fronteiras nos mais importantes festivais de cinema do mundo. Depois do que vimos em “Florbela”, agora “Tabu” e com o que sabemos que ainda irá estrear nos próximos meses, 2012 tem tudo para ser mais um excelente ano de cinema português.

ec81b2044383c0c6135cebbdb2afc3e8 4Realização: Miguel Gomes

Argumento: Miguel Gomes

Elenco: Ana Moreira, Carloto Cotta, Teresa Madruga, Isabel Muñoz Cardoso, Laura Soveral

Portugal/2012 – Drama

Sinopse: Pilarvive os seus primeiros anos de reforma a tentar endireitar o mundo e a lidar com as culpas dos outros, tarefa cada vez mais frustrante nos dias que correm. Participa em vigílias pela paz, colabora em grupos católicos de intervenção social, quer acolher em casa jovens polacas que vêm a Lisboa para participarem num encontro ecuménico Taizè, põe e tira da parede da sala um quadro muito feio que um amigo pintor lhe ofereceu para que este não se ofenda por ali não o encontrar quando lhe fizer uma visita… E inquieta-se sobretudo com a solidão da sua vizinha Aurora, uma octogenária temperamental e excêntrica, que foge para o casino se tiver dinheiro com ela, fala constantemente da filha que não parece querer vê-la, ressaca antidepressivos e desconfia que a sua criada cabo-verdiana, Santa, dirige contra ela práticas malévolas de voodoo. De Santa quase nada sabemos, é de poucas palavras, executa ordens e acha que cada um deve meter-se na sua própria vida. Frequenta aulas de alfabetização e exercita-se à noite com uma edição juvenil de Robinson Crusoe, enquanto fuma cigarros estirada no sofá da patroa. Aurora fará um misterioso pedido e as outras duas unem-se para o tentar cumprir. Quer encontrar-se com um homem, Gianluca Ventura, que até àquele momento ninguém sabia que existia. Pilar e Santa irão descobrir que este existe, mas informam-nas de que já não está bom da cabeça. Ventura tem um pacto secreto com Aurora e uma história por contar. Uma história passada há cinquenta anos, pouco antes do início da Guerra Colonial portuguesa. Começa assim: «Aurora tinha uma fazenda em África no sopé do monte Tabu…»

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