“Que Mais Posso Querer”: a busca pelo novo e a desconstrução das próprias certezas

“Que Mais Posso Querer” é uma trama sobre o desejo que surge sem aviso, a busca por algo novo e o temor que acompanha a quebra das certezas internas
"Que Mais Posso Querer" "Que Mais Posso Querer"
"Que Mais Posso Querer" (2010), de Silvio Soldini

O italiano Silvio Soldini, com um estilo quase documental, apresenta em “Que Mais Posso Querer” (2010) uma história sobre desejo inesperado, a busca por algo novo e o medo que acompanha a desconstrução das próprias certezas. Com sobriedade cortante, ele revela os efeitos corrosivos do adultério na dinâmica familiar, retratando a infidelidade sem idealizações — um fardo que traz mais dilemas do que satisfação, apesar da intensidade emocional e da ilusão momentânea de liberdade. Tal como na balada “Le tue parole” (1995), de Andrea Bocelli, Soldini capta as inquietações de uma geração na casa dos quarenta anos, que se vê diante da estagnação, entre a resignação e o desejo de mudança, num percurso que ora parece um itinerário inevitável, ora evoca um flashback do clipe de “Coming Around Again” (1987), de Carly Simon, ora traduz a melancolia disfarçada de felicidade de um comercial de seguro de vida.

Essa realidade materializa-se no romance intenso e clandestino de Domenico (Pierfrancesco Favino) e Anna (Alba Rohrwacher), que se transforma numa revolta silenciosa, sustentada por um equilíbrio precário que, aos poucos, vai rompendo a monotonia das suas vidas. Os seus encontros furtivos em lojas de departamentos, conversas rápidas ao telemóvel, mentiras acumuladas, toques discretos no intervalo de almoço em estacionamentos, sexo apressado em motéis baratos, promessas quebradas e ressentimentos guardados — tudo isso constrói um quadro de desejos não expressos e vidas que tentam moldar-se a algo que parece impossível de sustentar. Cada gesto, cada palavra, carrega o peso da contradição entre o que procuram e o que realmente podem alcançar.

No calor da paixão, eles percebem que não se trata apenas de um romance passageiro, mas de algo mais profundo, que surge sem aviso e desafia tudo ao redor. Contudo, esse amor tem limites — e não apenas os físicos, mas também os que carregam dentro de si: medos, inseguranças, desejos reprimidos. Nessa relação secreta, Domenico e Anna descobrem que amar pode ser tão agudo quanto angustiante, um equilíbrio perigoso entre o arrebatamento e a culpa. Mas até onde se pode levar um amor assim? Quem acaba ferido no caminho? O problema é que não há regras nem respostas prontas. Se houvesse, talvez tudo fosse mais simples. Mas a verdade é que o amor, sobretudo aquele que nasce à margem, é sempre um salto no escuro — e nem sempre sabemos onde vamos aterrar, ou sequer se iremos.

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É isso que torna o amor tão complicado, seja você fiel ou infiel: não existe uma resposta certa, apenas a experiência de viver o que sentimos, com todos os riscos e descobertas que isso envolve. Além do surgimento desse amor clandestino, Soldini explora o custo emocional do caso extraconjugal, revelando não apenas os altos e baixos de Anna e Domenico, que oscilam entre culpa, frustração e a ilusão de liberdade, mas também os impactos sobre aqueles ao seu redor: familiares, amigos e até colegas. Apaixonar-se por outra pessoa vai além da simples transgressão; é uma mudança profunda na forma como nos relacionamos com o mundo e, principalmente, com quem amamos. Mesmo que tentemos esconder essa transformação, ela transparece em gestos, palavras e atitudes, criando fissuras nos relacionamentos e alimentando um conflito constante, onde mentira, insatisfação e o desejo de algo novo se entrelaçam de forma irreversível. O verdadeiro preço do amor, nesse caso, não é apenas a traição, mas a perda de si mesmo ao longo do processo.

A vida é fugaz, e, por isso, os momentos de felicidade precisam ser aproveitados ao máximo. Muitas vezes, o medo impede-nos de seguir em frente e cria barreiras no nosso caminho. No entanto, é necessário arriscar-se, mesmo sem ter a certeza de como tudo vai terminar, na busca por aquela sensação de felicidade que sentimos, ainda que, no fim das contas, o resultado final seja incerto. Não estou a dizer que a traição é aceitável, mas o ponto central aqui é que, em certos momentos, tornamo-nos tão aprisionados nas nossas próprias rotinas e inseguranças que esquecemos de viver plenamente. Talvez exista algo novo lá fora, algo que possa renovar a nossa perspectiva. A traição de Domenico e Anna, embora condenável, é mais do que uma simples falha; ela funciona como uma metáfora para a necessidade de rompermos a bolha em que nos enclausuramos, de ousar ceder aos próprios desejos e, mesmo que de forma dolorosa, questionarmos as escolhas que fizemos ao longo da vida.

A vida não deve ser apenas aceita passivamente, mas precisamos enfrentar as questões e os desafios que ela nos apresenta. O filme provoca-nos a refletir sobre as complexidades de tomar decisões diante de um futuro incerto e como essas escolhas podem moldar a nossa jornada pessoal. Embora a narrativa de Soldini não seja totalmente nova, ela traz uma abordagem que consegue quebrar convenções. Levanta questões, mas não nos oferece respostas fáceis.

Às vezes, pode desorientar-nos, talvez pela urgência das suas questões ou pela margem de interpretação que deixa aberta. O amor entre Domenico e Anna é poderoso, mas, ao mesmo tempo, perturbador. Ele desestabiliza, tira o equilíbrio e é um tipo de experiência que nem todos têm a oportunidade de vivenciar ao longo da vida.

A traição num relacionamento amoroso ou em qualquer tipo de relação é algo profundamente doloroso e pode afectar a nossa capacidade de entender e fazer sentido do que acontece ao nosso redor. Torna-se um trauma e, como todo trauma, traz consigo uma série de repercussões que se ramificam de maneiras inesperadas. No final, não há um manual para guiar os nossos sentimentos e, para o bem ou para o mal, o amor e a dor têm o poder de ser incrivelmente radicais.