“O Condenado” (2004) – Polémico
Há cerca de um ano quando iniciamos esta rubrica a minha primeira sugestão foi “Beautiful Boy”, um filme que demonstra o outro lado de uma situação adversa. Hoje volto a fazê-lo com “O Condenado” (“The Woodsman”) realizado por Nicole Kassell, que assina o argumento com Steven Fechter, e conta a história de Walter (Kevin Bacon) um homem que foi libertado após cumprir uma pena de prisão de doze anos.
O ideal seria que não soubessem mais nada acerca deste filme. Se se sentirem capazes, vão já ver o filme. Aproveitem a forma como o Kevin Bacon estabelece a personagem sem que tenham mais informações acerca desta.
Contudo, seria impensável fazer-vos uma sugestão sem que vos dissesse mais algumas coisas acerca do filme, portanto, aqui vai: Walter foi na realidade condenado por um dos mais odiosos crimes, o abuso de inocentes e da inocência em si, Walter foi condenado por abuso sexual de menores, e recentemente colocado em liberdade condicional. Assombrado pelo seu passado, tem a oportunidade de recomeçar a sua vida, mas é obrigado a enfrentar uma sociedade repleta de preconceitos e juízos de valor.
Calado e cauteloso, Walter encontra conforto inesperado junto de Vicki (Kyra Sedgwick), uma mulher áspera que promete não o julgar pelo seu passado, esperando que este faça o mesmo.
O problema é que Walter sofre de uma perturbação do foro sexual, pedofilia. E reparem que eu disse que ele foi condenado por abuso sexual de menores e não por pedofilia, porque na realidade uma e outra são bem diferentes.
Pedofilia é uma parafilia que se caracteriza pela presença de fantasias, impulsos e comportamentos recorrentes envolvendo uma criança pré-púbere. É uma perturbação, que causa sofrimento ao sujeito e prejuízo do seu funcionamento social ou ocupacional. Além da pedofilia, também o exibicionismo, o masochismo, o voyerismo, são exemplos de perturbações sexuais, no caso de estarem presentes estes dois critérios. A razão por que a pedofilia não é, naturalmente, aceite como outras práticas é a envolvência de um inocente para alcançar a satisfação sexual. No entanto, não é a pessoa em si que é maldosa, mas sim a sua doença, que o compele a atos inadequados.
O ato de abuso sexual é crime. E é uma escolha. E portanto isso deve ser condenável social e judicialmente. A maior parte das vezes, os abusadores não preenchem os critérios de diagnóstico para a perturbação de pedofilia. Abusam das crianças por uma questão de afirmação e poder. E por esta razão devemos ter bastante cuidado quando nos referimos a um abusador sexual como pedófilo.
O filme não faz de Walter um objeto de simpatia, mas espelha a sua luta constante na tentativa de se readaptar à vida em sociedade, bem como aos seus desejos, sabendo que o comportamento que fantasia é errado. A maioria das pessoas tem fantasias e desejos sexuais socialmente aceites, e portanto nunca refletiu acerca do sofrimento que pode causar esta dissociação existente entre o que se quer e o que se pode fazer. Bacon constrói a personagem detalhe a detalhe, deixando as opiniões e as críticas para o espectador, o que na realidade é um trabalho brilhante. Seria muito mais fácil representar um pedófilo como um monstro sem sentimentos.
Quando chega um filme como este, bem realizado e interpretado, constroem-se sempre saudáveis discussões acerca dos temas que habitualmente são tabus. O filme foi um sucesso junto da crítica, e recebeu nomeações a vários prémios em festivais de cinema, apesar disso, a sua natureza polémica fez com que nunca estivesse nas luzes da ribalta.