As Vozes (2014) – Também as consigo ouvir!!!
Quando ouvimos falar muito bem ou muito mal de um filme podemos desde logo concluir que causa algum impacto. De certo modo porque os filmes levezinhos não dividem as opiniões. São aceites. “Gostei” ou “não gostei muito”, e pronto segue-se em frente, não fica o barulhinho de fundo que os filmes mais confusos e menos convencionais deixam para trás.
Os primeiros comentários que li sobre “As Vozes” (“The Voices”) mostravam desde logo que era um filme desestabilizador, a maioria negativos e depreciativos, foi aí que percebi que era um filme “cá dos meus”.
O filme realizado por Marjane Satrapi com argumento de Michael R. Perry conta com Ryan Reynolds no principal papel, e Gemma Arterton, Anna Kendrick e Jacki Weaver como atrizes secundárias.
Reynolds interpreta Jerry, um pacato trabalhador de uma fábrica de banheiras, educado, simples e reservado. Jerry tem uma paixão secreta por Fiona (Gemma Arterton), mas é Lisa que o acha interessante. No entanto, o que nenhuma delas sabe é que ele sofre de esquizofrenia e comunica com Bosco, um cão amoroso que representa o bem, e com o snob e malvado Mr. Whiskers, um gato que representa o mal (é sempre um gato!).
O seu grande objetivo de é ser aceite pelos colegas e conquistar Fiona, mas Jerry torna-se um herói-vilão, quando se converte num assassino em série, impulsionado, segundo ele, pelo seu gato.
Inicialmente Satrapi tinha a intenção de contratar atores para as vozes de Bosco e Mr. Whiskers, mas Ryan convenceu-a de que deveria ser ele próprio a reproduzi-las. A realizadora rendeu-se quando o ator lhe enviou a gravação com as variações de voz que pretendia adaptar a cada personagem. Deste modo, neste filme, o ator acaba por interpretar cinco personagens, que quase o fazem redimir-se por papéis menos conseguidos nos últimos tempos.
Jerry que foi em tempos uma criança danificada pelas vivências do seu passado vive agora num mundo bonito, polido, cheio de cor e alegria, enquanto o mundo real é sujo, escuro e degradante. O contraste das cores é muito bem conseguido e um espectador atento apercebe-se assim que surgem as primeiras pequenas diferenças entre as duas perspetivas. É um perfeito retrato da esquizofrenia paranoide, que se caracteriza por um quadro clínico de alteração da realidade e desorganização do pensamento, com a presença de sintomas como alucinações e/ou ideias delirantes que, muitas vezes, se associam a comportamentos agressivos.
Jerry é então vítima e culpado, bem-intencionado, mas louco, como se a sua doença tomasse conta do próprio filme que oscila entre estilos, como o sério sangrento e o alegremente absurdo. Este é um daqueles filmes simplesmente nos pede “deixa-te levar”, enquanto levantamos a sobrancelha e pensamos “ora, vamos lá em que é que isto dá”. Satrapi deixa o espectador em constante desequilíbrio, sem saber como classificar ou definir as cenas, e até o próprio filme, cujo cunho de humor negro parece ser insuficiente.