Depois de sucessos como “8 Mulheres” (2002), “Swiming Pool” (2003) e “Potiche” (2010), o aclamado realizador francês François Ozon apresenta-nos o seu melhor filme até hoje, “Dentro de Casa”. Um dos mais interessantes, arrojados e modernos thrillers, que leva o espectador a participar num exercício narrativo bastante hitchcockiano.
Baseado na peça “The Boy in the Last Row”, do espanhol Juan Mayorga, a história é protagonizada por Claude Garcia (Ernst Umhauer), um jovem estudante que passa os fim-de-semanas dentro de casa de um colega de turma, o Rapha, com a intenção de observar a sua família e usá-la como inspiração para a escrita dos trabalhos do professor de literatura francesa, Germain (Fabrice Luchini). O professor, que tinha perdido o interesse nos seus alunos, ao corrigir um texto do aluno Claude, percebe que aquele rapaz é possuidor de um dom raro na escrita. O aluno é então incentivado pelo professor a escrever mais e melhor sobre a família do Rapha. Porém, com o passar do tempo, os textos começam a revelar o seu lado ‘voyeurista’ e perverso, com detalhes cada vez mais explícitos sobre a vida privada da família em questão. O professor torna-se tão ou mais obcecado que Claude em conhecer aquela família, que não se apercebe que está a entrar num jogo perverso, que porá em causa algo mais do que a sua carreira ou reputação.
Se já nos anteriores filmes Ozon era um realizador voyeur, em “Dentro de Casa” o cineasta vai ainda mais longe, explorando ao máximo o seu estilo. O cineasta faz um retrato fiel da vida das pessoas, com sarcasmo, voyeurismo e manipulação à mistura. Ele espreita pelo buraco da fechadura de uma típica família burguesa francesa (a família dos Raphas). O pai é um homem de negócios que vive resignado por ter alguém no trabalho superior a ele e a mãe vive insatisfeita e aborrecida com a vida que leva, pois não faz nada. O casal tem um filho, o Rapha, que adora basquetebol, mas não percebe nada de matemática, pelo que tem de ter explicações com o seu amigo Claude. Depois há o segundo casal, que não tem filhos, o professor Germain e Jeanne (Kristin Scott Thomas) que trabalha numa galeria de arte. Por fim, temos o intrigante Claude, que se envolve com estas duas famílias, tornando-se num ‘discípulo’ do professor (o seu mestre) e ‘filho’ do primeiro casal.
Aquilo que prende atenção do espectador é o mecanismo encontrado pelo jovem protagonista para conseguir entrar dentro de casa, e assim, conviver com as outras personagens, criando instabilidade entre elas. O filme torna-se bastante reflexivo. O argumento é muito bem escrito, levado num tom de suspense cómico. Nunca nos é revelado tudo, pelo que quando achamos que já compreendemos as ações das personagens, somos surpreendidos. Ozon conta-nos duas histórias, a de quem conta e a de quem é contado. O realizador brinca, assumidamente, com os ingredientes para a construção de uma narrativa. “A Janela Indiscreta” de Hitchcock é uma referência evidente em todo o filme e mais evidente ainda na cena final. Claude observa os outros e tem desejos sexuais. É um jogo de observação e de desejos a que James Stewart também se submeteu no filme de Hitchcock. A certa altura, tal como Germain, também o espectador já tem dificuldade em distinguir a ficção da realidade. E também como ele queremos sempre saber mais e mais sobre aquela família.
Mais uma vez Ozon consegue juntar um bom leque de atores e atrizes. Os enquadramentos e os movimentos dos atores levam-nos para o lugar de uma peça de teatro. “Dentro de Casa” é um filme imperdível que nos envolve por completo na intriga. É também o melhor do cinema francês a estrear nas nossas salas de cinema, pelo menos até agora.
Realização: François Ozon
Argumento: François Ozon
Elenco: Kristin Scott Thomas, Fabrice Luchini, Emmanuelle Seigner, Denis Ménochet, Ernst Umhauer
França/2012 – Thriller
Sinopse: Um rapaz de 16 anos infiltra-se na casa de um colega de turma e relata essas histórias ao seu professor de francês. Este último, face a este aluno dotado e diferente, volta a ganhar um novo fôlego no ensino. Mas esta intrusão vai desencadear uma série de acontecimentos incontroláveis.