“Querido Diário: Edição Cineclubes” é uma rubrica original dos criadores do Cinema 7ª Arte que remete o leitor para uma viagem de vespa por Portugal fora, numa demanda dos cineclubes ainda ativos. De cidade em cidade, iremos conhecer cada cineclube e os seus nativos que se esforçam por partilhar a paixão pela sétima arte.
Chegamos a Santarém, uma cidade com profundas raízes históricas. Também chamada a cidade das sete colinas, Santarém conta com muitas lendas antigas. Também ela cidade pioneira, tendo a primeira sessão de animatógrafo realizado-se em 1896.
Legenda: C7A – Cinema 7ª Arte / CCS – Cineclube de Santarém
C7A: O cineclube de Santarém foi fundado, oficialmente, em 1955. Ou seja, com 58 anos de existência, são um dos cineclubes mais antigos do país. Fale-nos um pouco da criação do cineclube.
CCS: A criação do Cineclube de Santarém, na década de 50, foi um reflexo e consequência lógica da cultura cinematográfica que se iniciou em Portugal com a criação do Cineclube do Porto e de alguns Cineclubes lisboetas. O Cineclube de Santarém teve uma atividade profícua e constante até meados dos anos 80, mas acabou por suspender a sua atividade, tal como aconteceu com tantos cineclubes portugueses nessa época. Em 2008, houve um grupo de pessoas que se juntou para reativar o Cineclube de Santarém, e que constituiu uma Comissão Dinamizadora que, entre outras actividades, apelou à participação de antigos sócios e angariou novos elementos. Depois de uma batalha burocrática para localizar estatutos e outros documentos necessários à reativação do Cineclube de Santarém, foi feita uma Assembleia Geral em janeiro de 2010, onde foram eleitos os primeiros corpos gerentes deste “novo ciclo” do nosso Cineclube. Desde então, a nossa atividade tem sido uma constante na cidade de Santarém e o numero de sócios tem aumentado de ano para ano.
C7A: Qual a importância deste cineclube para a cidade de Santarém e qual a importância dos cineclubes hoje na sociedade?
CCS: O Cineclube de Santarém veio colmatar uma falha na exibição cinematográfica na cidade, onde só existia uma sala multiplex de exibição de cinema dito comercial. As nossas exibições são um contributo importantíssimo para a oferta cultural da cidade e para a criação de público crítico e interessado. A importância dos cineclubes atualmente prende-se principalmente por isso: criação de público crítico e interessado. os cineclubes não competem, nem o conseguiriam fazer, com as salas comerciais. deve existir espaço para todos. não podemos é deixar de ter espírito crítico e de usar o cinema como uma forma de reflexão acerca da sociedade e do mundo em que vivemos, caso contrário passa a ser mero entretenimento.
C7A: O público adere com facilidade à vossa programação? Vocês criam uma programação pensada em exclusivo para o público?
CCS: Podemos dizer que sim. Nestes 4 anos de atividade constante temos mantido e até aumentado ligeiramente a nossa média de espectadores. A nossa programação é feita tendo em conta os interesses do público, é claro, não faz sentido programar para salas vazias. Tentamos, sempre que possível, ter filmes recentes, de qualidade, e que não passariam numa sala comercial. É essa também a vontade do público que nos procura: ter opção de escolha e uma oferta de qualidade, diversificada.
C7A: É difícil para vocês criar uma programação de cinema mais independente e com clássicos do cinema, sem que não apareça muito público?
CCS: As sessões que temos tido de clássicos atraem sempre muito público, embora não tenhamos condições de as realizar tantas vezes quanto gostaríamos.
C7A: Costumam passar algum cinema português?
CCS: Passamos bastante cinema português. Podemos dizer, aliás, que esse tem sido o grande mérito de todos os cineclubes e que tem passado completamente ao lado dos responsáveis pelo sector e das distribuidoras. Se não fossem os cineclubes, o cinema português produzido recentemente praticamente não teria tido público. Temos estado a formar público para o cinema português, e se não o fazemos mais, é porque não temos condições financeiras para ir mais longe.
C7A: Atualmente, em época de muita crise, onde as pessoas tem menos dinheiro para ir ao cinema, como conseguem gerir as contas do cineclube?
CCS: Com muita dificuldade. O Cineclube de Santarém vive exclusivamente das quotas de sócios e receitas de bilheteira. Há 2 anos tivemos apoio do ICA, o que nos permitiu manter a nossa atividade. Este ano, também fomos uma das candidaturas apoiadas, mas o valor é insuficiente para fazer face às despesas totais do cineclube.
C7A: Sentem falta de apoios do estado ou das câmaras municipais para os cineclubes?
CCS: Claro que sim. O trabalho que a os cineclubes têm feito por todo o país tem sido completamente menosprezado pela tutela, atualmente, Secretaria de Estado da Cultura. Infelizmente, não é apenas ao nível do apoio à produção cinematográfica, a exibição também tem sido completamente ignorada. No entanto, apesar de insuficiente, é importante que se diga que o apoio da Câmara Municipal de Santarém tem sido fundamental para o nosso funcionamento. As nossas sessões têm lugar no Teatro Sá da Bandeira, propriedade do município, e não pagamos qualquer tipo de aluguer pela utilização do espaço e respetivos meios técnicos.
C7A: Acham que deveria haver uma maior relação de parceria entre outros cineclubes do país?
CCS: Creio que as parcerias existentes são as suficientes. As realidades e necessidades de cada cidade são demasiado específicas. Na minha opinião, o que faz falta é uma maior comunicação com o ICA, mas isso é trabalho que está a ser desenvolvido pela Federação de Cineclubes.
C7A: O cineclube só vive da dedicação e trabalho dos voluntários?
CCS: O Cineclube de Santarém sim, vive exclusivamente do trabalho voluntário dos sócios e elementos da direção.
C7A: Película ou Digital?
CCS: Sala de Cinema!
C7A: Um dos principais objetivos de um cineclube é o de discutir e refletir sobre cinema. Acha que os cineclubes hoje tem cumprido essa missão, para além da simples exibição?
CCS: Claro que sim. Caso contrários não seriam cineclubes, mas meros exibidores… No nosso caso concreto, tudo fazemos para cumprir essa missão: fazemos sempre uma introdução aos filmes que exibimos, e sempre que possível, abrimos o debate após a exibição. Quando passamos filmes portugueses, movemos mundos e fundos para ter alguém presente a comentar e debater o filme com o público, seja o realizador, actores ou alguém relacionado com a produção.
C7A: Espaço “Mensagem do Presidente”: (este espaço é oferecido ao presidente do cineclube para deixar uma pequena mensagem aos sócios/voluntários/público em geral. É um espaço livre e da inteira responsabilidade do presidente.)
CCS: Nesta altura crítica que o país atravessa, com o “ano zero do cinema” e a total paralização de apoios ao sector, é importante salientar o esforço que tem sido feito pelos cineclubes portugueses, no sentido de continuarem a sua oferta cultural, apesar das grandes dificuldades sentidas. Não podemos falar de cinema português, sem falar da criação de público para esse segmento. O cinema português, apesar de todas as dificuldades que atravessa, nunca foi tão profícuo em obras e prémios. Mas essas obras precisam de público e ninguém como os cineclubes tem contribuído para o crescimento desse público. Esperemos que assim continue, e que o Cinema Português veja nos cineclubes do país um precioso aliado na sua distribuição e exibição.
Próxima paragem: Cineclube de Faro
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Uma ideia original de
Cinema 7ª Arte
Texto de
Tiago Resende
Revisão de
Eduardo Magueta