«Time can tear down a building or destroy a woman’s face Hours are like diamonds, don’t let them waste.»
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«La fille sur le pont» de Patrice Leconte
«La Fille sur le pont» é um filme de 1999, realizado por Patrice Leconte (França, 1947) e protagonizado por Vanessa Paradis e Daniel Auteuil.
Acima de tudo, apresso-me a afirmar que este filme revela um cariz eminentemente sexual. Não da forma a que o Cinema dos séculos XX e XXI nos tem vindo a brindar – desmistificado e convencional – mas como uma bolha de oxigénio no fundo do mar, parecendo ter descoberto algo mais sensual do que a própria sexualidade em si – uma metáfora perfeita, por um lado, um seu substituto, por outro.
Do que se trata?, perguntarão. Pois bem, do lançamento de facas. Uma arte polida e feira centro nevrálgico do filme por Leconte. Como se não bastasse, a fotografia a preto-e-branco de Jean Marie Dreujou, repleta de movimentos de camera ofuscados e deslumbrantes enquadramentos das cidades de Paris, Mónaco, Atenas e Istambul, equilibra-o e estabelece-o como uma verdadeira antologia dos mais conhecidos filmes europeus, de Jean-Luc Godard, François Truffaut, e acima de tudo, de Fellini. De facto, é do italiano que «Le fille sur le pont» mais se aproxima. O enredo despido é espelhado claramente em «La Strada» – exceptuando nos conceitos de pobreza e do fatalismo.
«La fille sur le pont» segue a relação (ou existência) masoquista e simbiótica entre um performer circense e da sua assistente entretanto recrutada. Fellini parece estar sempre presente, desde o desfile dos palhaços, dos anões e das contorcionistas, desde os barcos luxuosos e de grandes dimensões, os luminosos casinos, os close-ups muito aproximados e os extensos planos de grua, tão característicos do realizador italiano.
Adele (Paradis) é uma jovem que insiste em vaguear pela sua vida com uma promiscuidade passiva e absoluta – ‘Acredito em cada promessa que me fazem’ – e que a leva à vertigem de um quase suicídio. Enquanto se debruça numa ponte de Paris, conhece Gabor (Auteuil), um atirador de facas filósofo que busca por uma assistente. Nesta assistente busca apenas uma só característica – que seja uma pessoa de muita sorte.
‘A audiência deve-se apaixonar por ti’, diz-lhe. Aqui começa toda a sedução tanto da audiência das suas performances, como do espectador na sala de cinema. No seu primeiro espectáculo, Adele está coberta por um lençol enquanto que, com perigo e sensualidade, Gabor lhe lança os objectos afiados. No entanto, enquanto que até aqui o filme assume uma precisão e rigor louváveis, ele vai perdendo o seu vigor e inovação. De notar a sequência em que os dois se entretêm na prática da sua actividade numa espécie de um armazém, na qual o ambiente é ‘barato’ e análogo a uma relação sexual per si, o que seria de facto, mais previdente exibir.
O filme ganha uma dimensão diferente nos momentos em que não se leva tão a sério, ou seja, quando esquece o romantismo melancólico e encarna a reconhecida química extravagante, fundamentada na incandescência sexual de Paradis e a sensualidade crua de Auteuil. Entretanto, no momento em que a sorte da dupla parece ter desaparecido, torna-se demasiado previsível, sem motivação dramática, o que não glorifica nem os magníficos cenários e enquadramentos (muito) pouco comuns, nem a progressão da narrativa.
Embora o final seja demasiado ‘Hollywoodesco’ numa acepção lamechas do termo, existe uma data de qualidades extravagantes que obrigam o espectador a reconhece-las e a reconhecer em si o legado de antigos clássicos glorificados, embora na realidade seja um filme de 1999.