É o ano do burro? Começam as apostas para a palma de 2022

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Deu bicho para todo lado, com dois burros trágicos arriscando levar a palma, o do Östlund, e o magnífico de Jerzy Skolimowsky. Mas os ventos parecem soprar pelos lados da Bélgica, país com três filmes no festival e que foram dos mais elogiados dessa edição.

Animais e bichos estavam aos montes pelos filmes de Cannes deste ano. Teve o pombo e o gato de Kelly Reichardt em Showing Up, o cão peludo de War Pony, o grande vencedor do Palm Dog este ano, e os burros de Östlund e do octogenário Skolimowsky. No caso de Reichardt, os animais dos seus filmes – o cão de Wendy & Lucy, a vaca de First Cow e agora o gato e o pombo do Showing Up, exercem uma interessante influência na forma como interagem com os humanos, sem que os deixe cair num fácil exercício antropomórfico. Infelizmente, o mesmo não se pode dizer dos pobres burros que deram as caras em Cannes de 2022.

Mas falamos de animais para chegarmos ao melhor filme dessa competição, o alien polaco do veterano Jerzy Skolimowsky, EO (ou do original Hi-Han) que foi um dos pontos altos de uma competição que deixou muito a desejar. O realizador de 84 anos pegou num dos maiores clássicos da história do cinema francês, Peregrinação Exemplar (Au Hasard Balthazar) e o atualizou para os tempos modernos. Uma espécie de A Árvore da Vida visto pela perspectiva de um burro. Só que o filme do polaco, atmosférico, quase sem diálogos, e grandioso na sua ambição de fazer algo completamente novo e original é talvez radical demais para este júri.

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Teve também um burro no último Ruben Östlund, Triangle fo Sadness, mas este não durou mais que cinco minutos, azarado que foi de ter o seu caminho cruzado com as mais insólitas personagens que o sueco já criou. O filme tem lá os seus momentos divertidos , mas parece dar seguimento ao cinismo nauseabundo que o realizador quer explorar ainda mais depois que o seu The Square levou a palma em 2017. Mas o que Östlund faz com aquelas personagens, arrancando-lhes a alma e o carisma, fez do filme uma das entradas mais arrogantes e manipulativas dessa competição. Apesar de tudo isso, não deixou de ser um dos maiores sucessos do festival. O jornal francês Le Figaro publicou esta manhã o seu palmarés e deu a sua palma ao filme do sueco. Escolha um pouco estranha e inesperada visto que muitos dos críticos franceses torceram o nariz ao filme do realizador. Pelo menos o jornal acertou quando deu a sua Palme de Plomb, uma espécie de framboesa de ouro (ou razzies) para a francesa Claire Denis e o seu terrível Stars at Noon, muito provavelmente o pior filme deste ano de facto.

Desde os últimos dias que a imprensa internacional tenta adivinhar o que será o gosto de Vincent Lindon, o ator francês que preside do júri deste ano, mesmo que todos saibam que o seu voto não tem peso maior que o dos outros jurados.

No entanto, no Twitter dava-se conta de que em 2013 quando Night Moves de Kelly Reichardt ganhou o grand prix no Deauville American Film Festival, o presidente do júri era justamente Vincent Lindon. Parece muito improvável que um filme tão low key como o belíssimo e delicado Showing Up de Reichardt faça parte dos prémios principais.

E os rumores de que a palma iria para um belga começaram a correr desde ontem por Cannes. Com três filmes vindo do pequeno país europeu, a disputa ficaria então entre The Eight Mountains, do casal belga Felix Van Groeningen and Charlotte Vandermeersch, um dos filmes que dominou as bolsas de apostas nos primeiros dias do festival, e que foi apressadamente apelidado de “Brokeback Mountain hetero” por alguma da crítica ali presente; pela outra dupla belga, os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, que para a surpresa de toda gente fizeram um dos filmes mais elétricos da competição e dos melhores da sua carreira, o redentor Tori and Lokita, retrato de dois jovens imigrantes a navegar os horrores da vida no ocidente. E por fim, o jovem Lukas Dhont com apenas o seu segundo filme Close, quatro anos depois da sua estreia Girl ter recebido o camera d’or aqui em Cannes.

Se o júri de Lindon estiver a par do gosto da crítica internacional, é muito provável que a palma vá de fato para muito amado Close do jovem de 31 anos Lukas Dhont. O filme foi uma verdadeira sensação no penúltimo dia do festival, arrancando acalorados dez minutos de aplausos na sessão de estreia no Grand Theatre Lumiére. O mundo higienizado e sentimentalóide do realizador parece ter ecoado forte no festival este ano. No ranking diário da revista francesa Gala Croisette de ontem, o filme do belga era o único a liderar com a cotação máxima de sete críticos sugerindo que o filme deveria sair vencedor da palma. O rumor de que seria um belga a ganhar o prémio máximo este ano foi reiterado pelo crítico do New York Times, Kyle Buchanan, que postou esta manhã que talvez os belgas até dividissem o prémio principal.

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O que resta? David Cronenberg, uma das estrelas maiores desta edição, quase que figurando nesta competição como uma mea culpa do festival por não tê-lo agraciado com a palma por Crash ou, na verdade, por qualquer um dos seus filmes anteriores. Crimes of the Future é um filme menor na carreira do canadiano, que fez uma espécie de pot-pourri dos seus filmes mais icónicos. Lembramos que Lindon era um dos personagens-chave de Titane, projeto “cronenberguiano” de Julia Ducournau que acabou por vencer o festival o ano passado. Nos parece um pouco estranho e fora de lugar que no ano seguinte o mesmo Lindon daria o prémio a outro filme do body horror, mesmo que este sendo a fonte original.

O resultado se saberá logo à noite mas, especulações à parte, aguardamos o palmarés da 75ª edição do maior festival de cinema do mundo com os dedos cruzados; para que o ano de vacas magras que foi 2022, seja definitivamente o ano do burro.

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